“Ide contar a João o que estais ouvindo e vendo” (Mt 11,4)
O evangelho de Mateus nos apresenta a chamada “prova messiânica”. João Batista, a partir do cárcere, envia emissários para perguntar a Jesus se é Ele o esperado ou se devem esperar um outro. Jesus não res-ponde com alguns argumentos teológicos, nem com citações bíblicas, ou com alguns dogmas e doutrinas, mas remete os discípulos de João aos puros fatos, que podem ser “vistos e ouvidos”: “os cegos vêem, os paralíticos andam, os leprosos são curados, os surdos ouvem, os mortos ressuscitam e os pobres são evangelizados”.
Estas “obras”, estas boas notícias, são a prova de identidade do Messias; e deverão ser a prova de identi-dade dos seus seguidores. Só quando nossa vida prolongar e atualizar estas mesmas obras, só quando formos “boa notícia para os pobres” é que estaremos sendo seguidores(as) daquele Messias.
Por que Jesus fala de cegos, surdos, coxos, inválidos, leprosos…, e muitos outros coletivos que continuam sendo marginalizados? O texto quer dizer que a chegada do Reino terá ressonâncias vitais para todos, mas sobretudo para os mais desfavorecidos, que tinham perdido a esperança; quer dizer que aquele que acolhe o Reino, sairá da dinâmica da morte e entrará na dinâmica da vida.
É interessante que, entre os sinais da presença do Messias não há referência a um só sinal “religioso”: nem culto, nem orações, nem sacrifícios, nem doutrinas. Isto nos deve fazer pensar. Nós cristãos, com frequência, nos esquecemos que, para Jesus, o primeiro é o ser humano, a prioridade é a vida.
As “obras” que Jesus realizava, desconcertaram o Batista porque este, em sua pregação junto ao Jordão, o que na realidade anunciava era a chegada de um Messias ameaçante e justiceiro. João Batista, portanto, falava à multidão da “perdição eterna”, na linha do juízo mais severo. Por isso, o Messias viria a este mundo para remediar o problema do “pecado”.
Ainda hoje na Igreja, em muitos ambientes mais fechados e conservadores, prevalece a figura de João Batista, com julgamentos, medos e ameaça do juízo final. Com isso, a religião e suas observâncias deixam de ser fonte de esperança e nos distanciam do compromisso com os “últimos e excluídos”.
Jesus corrige João. Ele não veio para impôr medo e anunciar ameaças aos pecadores e às pessoas “perdi-das”. Ele veio a este mundo para aliviar o “sofrimento humano”, para incluir quem estava excluído, para ativar a dignidade dos mais carentes, para abrir um horizonte de esperança a todos…
Dito isto, com facilidade compreendemos onde, em quê e como encontramos e vivemos o centro mesmo do Evangelho. O decisivo e determinante, na Igreja e na vida cristã, não é a doutrina, nem as práticas religiosas que alimentam a culpa doentia, nem o legalismo estéril, nem o ritualismo que afasta da vida… Há algo que é mais simples, mais claro e que está ao alcance de todos, a saber: o central e determinante da vida cristã é o compromisso contra todo tipo de sofrimento e contra tudo aquilo que exclui e gera desu-manização.
Dito de outra maneira: seguir Jesus é contagiar vida plena e felicidade aos outros. Tanto mais, quanto mais limitadas e desamparadas são as pessoas com as quais convivemos.Somente o “projeto com vida”, que Jesus traçou em seu Evangelho, é a luz e a esperança que tanto aspiramos.
O Advento nos revela que a mística cristã é uma mística de olhos e ouvidos compassivamente abertos. Temos de aguçar a vista e afinar os ouvidos para sermos capazes de contemplar as obras de Deus em favor da vida, que se visibilizam na história da humanidade, sobretudo entre os mais pobres e excluídos.
Este tempo que vivemos e este lugar no qual estamos imersos, requer de nós novosolhos e novosouvidos para facilitar a convivência, a transformação social e aceitar a nova visão da existência humana.
É preciso sair dos sentidos estreitos, auto-referentes e centrados em nós mesmos…, para os sentidos con-templativos, oblativos, capazes de nos deixar impactar pela realidade e entrar em sintonia com ela, vibran-doe nos alegrando com as surpresas que daí brotam.
O tempo doAdvento chega ao mais profundo, transforma nosso coração e nossos sentidos, e nos leva a um mundo novo de possibilidades inéditas, descobre e revela o melhor em cada um de nós.Quem se unifica e se dilata em seus sentidos,encontra seu verdadeiro rosto, porque a beleza do rosto é “epifania da pessoa”. O verdadeiro rosto deixa transparecer o coração quando este é carregado de compaixão.
O olhar de Jesus é reflexo do olhar do Pai, pois Ele se fixa sobretudo nas pessoas concretas e, com parti-cular atenção, nos mais pobres e necessitados, aquelesque eram “invisíveis” para a sociedade de seu tempo: os enfermos, as viúvas, as crianças, o estrangeiro…
Estamos vivendo um tempo litúrgico privilegiado onde o trato íntimo com o Senhor nos transforma, nos inspira a assumir suas atitudes profundas e a “cristificar nossos sentidos”, para segui-Lo em sua encarna-ção no nosso mundo.
Através dos nossos sentidos, o modo de ser e de agir de Jesus entra em nossa intimidade e, por meio deles respondemos também à realidade de um modo novo.
A contemplação do mundo da dor e das sombras de nossa realidade implica uma compreensão responsável que olha, escuta, sente, se encarna e se encarrega das realidades de sofrimento. É uma contemplação que nos enraíza na realidade da exclusão para descobrir como o rosto ferido e maltratado de nosso Deus se transforma em narrações de resistência e esperança para seu povo.
O tempo do Adventotambém deixa transparecer um grande obstáculo, que acaba reforçando o impulso possessivo dos nossos sentidos: vivemos numa cultura de imagens artificiais, não escolhidas, arremessadas contra nós, com fins mercantilistas. Nossos olhos e ouvidos estão saturados, nossas retinas estão fatigadas, nossos tímpanos perderam sua vibração. Estar submetidos a tal impacto, visual e sonoro, nos faz perder a inocência, ou seja, a capacidade de estar simplesmente numa atitude receptiva e de acolhida; também esvazia a contemplação desinteressada e distendida, aquela que nos dispõe para sentir e captar a presença divina na realidade e nas pessoas.
Nossos sentidos estão se tornando filhos da necessidade ou do interesse, esvaziando-se de toda gratuidade e atitude receptiva. Sentidos petrificados e possessivos acabam por bloquear também o nosso interior. Dos sentidos petrificados brotam atitudes de julgamento, de intolerância, de violência, de preconceito…, nos distanciando daqueles que são “os preferidos de Deus”.
Nossa civilização, que já ultrapassou a era do trabalho escravo, ainda está na era dos “sentidos escravos”.
Estão comercializando com nossas pupilas e nossos tímpanos; nas publicidades comerciais, temos os olhos e ouvidos vendidos e não levamos nenhuma “comissãozinha”.
Só os sentidos contemplativos deixam de ser possessivos e devoradores, para se tornarem oblativos e abertos; e, quando são oblativos, eles nos unificam por dentro e nos movem a viver em profunda sintonia com a realidade, carregada de presenças.
O Advento é oportunidade única para recuperar a capacidade do assombro e da admiração, e assim, viver os sentidosde maneira agradecida, gerando comunhão. E a conversão começa pelos sentidos.
Texto bíblico: Mt 11,2-11
Na oração:Através dos “sentidos cristificados”
alcançamos uma forma de olhar, escu-tar, sentir, apalpar,saborear… que nos abre à per-cepção da Presença divina e à revelação do sacra-mento do irmão.
– quê novos sinais e vozes você está captando no seu interior e na sua realidade cotidiana, manifestação da surpreendente ação de Deus em favor da vida?
– dequê maneira você prolonga as “obras” de Jesus no seu ambiente?