“Jesus explicou, com toda a simplicidade, o que é ser santo; fê-lo quando nos deixou as bem- aventuranças. Estas são como que o bilhete de identidade do cristão. Assim, se um de nós se questionar sobre «como fazer para chegar a ser um bom cristão», a resposta é simples: é necessário fazer – cada qual a seu modo – aquilo que Jesus disse no sermão das bem-aventuranças. Nelas está delineado o rosto do Mestre, que somos chamados a deixar transparecer no dia-a-dia da nossa vida”. “A palavra «feliz» ou «bem-aventurado» torna-se sinônimo de «santo», porque expressa que a pessoa fiel a Deus e que vive a sua Palavra alcança, na doação de si mesma, a verdadeira felicidade” (Papa Francisco, GE n. 63-64).
“Sejam santos, porque eu sou SANTO” (Lev. 11,45) Esta é a vocação fundamental à qual todos somos chamados. A santidade de Deus é a vocação universal de todos os seres humanos, cada um à sua maneira. Deus colocou no coração de cada pessoa a busca da santidade. Uma busca que se experimenta como impulso vital, sopro do Espírito, aqui e agora, nas circunstâncias concretas da vida. Nesse sentido, santos e santas são os portadores de vida, homens e mulheres que buscam viver intensamente; que acolhem a vida e a expandem, que bebem do prazer da vida e que ajudam os outros também a beberem, sabendo que a vida é dom, presente que compartilhamos, todos, no mundo. São pessoas em cujo entorno se desatam correntes de vida, esperança, alegria de viver, reconciliação e amor. “Os(as) santos(as), como os poetas, vivem de encantamentos…”, encantados com a vida, com a beleza, com a verdade…
Os santos e as santas são as testemunhas (martyria) da vida, ou seja, aqueles(as) que, inspirados na santidade de Jesus, são presenças inspiradoras no mundo, portadores(as) de valores humanos e que constroem suas vidas sobre a rocha firme do amor incondicional e generoso; homens e mulheres que “vivem um caso de amor com a vida”.
A santidade é nossa verdade mais íntima e universal.
Por isso, falamos de “santidade primordial”, ou seja, a força radical da vida, o anseio de viver, a decisão de viver mais intensamente, o impulso expansivo que move a pessoa a sair de si mesma e a entrar em sintonia com os outros, com a criação e com Aquele que “é três vezes Santo”. É a “faísca da santidade de Deus” presente no mais profundo do seu ser e que se deixa transparecer no seu modo de viver. Para muitas pessoas, é sua forma habitual de vida; a “santidade primordial” vai se fazendo conatural ao longo da existência.
Queremos com isso dizer que santa é a vida e santo(a) é defendê-la; fascinante é ver grandes esforços para protegê-la e potenciá-la. Ao defender e propiciar a vida, a santidade primordial se revela como “humana”, pois santo(a) é “ser humano(a)” por excelência. Nessa santidade primordial tornam-se presentes as “virtudes” admiráveis, tanto as tradicionais como as novas, em tempos de compromisso e libertação: solidariedade, serviço, simplicidade, disponibilidade para acolher o dom de Deus, força no sofrimento, compromisso até o martírio, perdão ao ofensor… Somos santos(as). Não somos santos(as) porque sejamos irrepreensíveis, senão simplesmente porque somos, e vivemos, nos movemos e somos sempre em Deus e Deus em nós, também quando nos sentimos medíocres e inclusive fracassados. Somos um tesouro em vasos de barro em formação, e Deus é o paciente oleiro na sombra mais profunda de nosso barro.
“Viver a partir da santidade de Deus” representa a melhor definição da santidade cristã: reconhecer-nos como quem recebe tudo de Deus, deixar-nos amar e guiar por Ele, assemelhar-nos a Ele para tornar visível, em nós, os sentimentos de compaixão e misericórdia que Ele tem para com todas as pessoas. Em outras palavras, a santidade significa viver o divino que há em nós. Só descobrindo o que há de Deus em nós, poderemos cair na conta da nossa verdadeira identidade. Todos somos santos(as), porque nosso verdadeiro ser é o que há de Deus em nós; embora a imensa maioria das pessoas não tem consciência disso ainda, não podemos deixar de manifestar o que somos. Somos santos(as) pelo que Deus é em nós, não pelo que nós somos para Deus. É santa a pessoa que descobre o amor que chega até ela sem mérito algum de sua parte, mas deixa-se envolver por este amor expansivo e passa a viver uma presença amorosa.
Os(as) santos(as) foram e são humanos por excelência. E a plenitude do humano só se alcança no divino, que já está presente em todos nós.
Nesse sentido, podemos dizer que as bem-aventuranças são a plenificação daquilo que é o mais humano em nós; elas são a quinta-essência da vivência da santidade, no caminho do seguimento e identificação com Jesus, a presença visível da santidade do Pai. As bem-aventuranças não são leis para simplesmente evitar o mal, mas o potencial humano que, quando ativado, espalha criativamente, por todos os lugares, a Santidade, a Bondade e a Beleza divinas. Expressam, de modo conciso e explícito, o coração mesmo de Jesus e seu desejo ardente de contagiar a todos os que se encontravam com Ele.
Todos sabemos que, em muitos ambientes cristãos, quando se fala de santidade enfatiza-se muito mais a renúncia, a mortificação, o sofrimento, a austeridade, o sacrifício, a resignação…, ao passo que não é comum encontrar pessoas que, espontaneamente, associem santidade à alegria de viver e, em geral, a tudo aquilo que nos faz sentir melhores, sentir-nos bem e sermos mais felizes.
Jesus propõe a ventura sem limites, a felicidade plena para seus(suas) seguidores(as). Deus não quer a dor, a tristeza, o sofrimento; Deus quer precisamente o contrário: que o ser humano se realize plenamente, que viva feliz… Jesus acreditava na vida, e queria que todos vivessem intensamente. Jesus anuncia as Bem-aventuranças como um programa para viver a santidade; e o motivo primeiro é porque todas elas são, na verdade, o caminho da santidade universal (acima e além de toda religião, pois elas são simples e profundamente humanas). As Bem-aventuranças são como o mapa de navegação para nossa vida; são o horizonte de sentido e o ambiente favorável para nossa santificação, entendida como empenho para viver com mais plenitude, segundo o querer de Deus.
Dizer que são felizes os pobres, os que choram, os mansos, os misericordiosos, os que tem fome e sede de justiça, os perseguidos… é um contrassenso para o nosso contexto social, onde ditoso é aquele que mais acumula bens, que tem mais poder, mais prestígio…, sem se preocupar com a situação dos outros. As bem-aventuranças se visibilizam no pequeno, no cotidiano, no próximo mais próximo, e nos impulsionam a proclamar: a paz é possível, a alegria é uma realidade, a justiça não é um luxo, a mansidão está ao alcance da mão… Elas nos dizem que nascemos para a bondade, a beleza, a compaixão…
As bem-aventuranças devem ser escutadas e acolhidas como uma mensagem que brota do mais profundo da vida e que tem como finalidade apresentar, a qualquer pessoa, o mais humano que existe em nós.
Ser feliz é deixar viver a criatura livre, alegre e simples presente dentro de cada um de nós. A santidade é, assim, o livre curso da vida, o fluxo contínuo da Vida em nós que se “entre-tece” com a vida dos outros.
Texto bíblico: Mt 5,1-11
Na oração: A chave da felicidade está em permitir que se revele o sentido da luminosidade presente nas profundezas de nosso ser. O que nos tira a energia e nos torna estéreis é afastar-nos desse princípio vital que é o Divino em cada ser.
A santidade é luz expansiva do divino que se faz visível no “modo contemplativo” de viver.
– Sua presença junto às pessoas é transparência da santidade de Deus?