“Jesus, cheio de compaixão, estendeu a mão, tocou nele…” (Mc 1,41) “Se soubésseis como a pele é profunda” (Paul Valéry). Somos seres que precisamos tocar e ser tocados: o aperto demão, o abraço, as carícias…, transmitem “vida”. É a maneira de se fazer presente ao próximo, não a partir da distância, mas a partir da proximidade corporal. Quem abraça se identifica com o outro, quem o toma pela mão lhe transmite a mensagem de que não está à margem, na solidão… O evangelho de hoje nos recorda Jesus quando tocava os leprosos. Por que fazia isso se, segundo o Evangelho, podia curá-los só com a palavra? Para dizer-lhes que estavam vivos. Jesus conhecia a vida marginalizada dessas pessoas, e como ninguém queria ter contato com elas por medo do contágio e da impureza ritual, Ele as tocava para curá-las e fazê-las sentir que estavam vivas. E assumia a consequência de tornar-se, também Ele, “impuro”. Tocar e deixar-se tocar. Este é, talvez, um dos gestos mais característicos de Jesus e também um dos mais desafiantes e reveladores. Não é ousadia poder afirmar isso: a “pele de Deus”, a pele do Filho, está feita para tocar e deixar-se tocar, com tudo o que isso implica. Num tempo e numa cultura onde um leve e inocente contato corporal era motivo de impureza e de afasta-mento do sagrado, Jesus, com sua pele,quebra esta união maléfica entre pureza-impureza, santidade-peca-do, que se manifesta no epidérmico. O escândalo do toque é assumido por Jesus plena e conscientemente. Não como um capricho de simplesmente transgredir o que foi estabelecido, mas como uma proximidade, uma imersão na realidade do pecado-enfermidade que excluía tantas pessoas de qualquer interação social. É o caso do leproso do evangelho deste domingo; tocando o pecado-impureza Jesus se faz, Ele mesmo, pecado-impureza aos olhos dos justos. Jesus é consciente de que diante da lei, também ele fica impuro e leproso. E prefere ficar legalmente leproso quando se trata de salvar a dignidade de um homem; quando se trata de recuperar a liberdade do ser humano, Jesus não se importa ser excluído pela lei. Esta visibilização contaminada-impura de si mesmo acarreta a Jesus muitos problemas com aqueles que dizem conhecer e interpretar a Deus. Mas é uma maneira radical de dizer que tocando, com tudo o que isso implica, salva-se o ser humano. Marcos recolhe em seu relato a cura de um leproso para destacar essa predileção de Jesus pelos mais exclu-ídos. A cena revela belos traços que nos falam da beleza do Evangelho. Jesus está atravessando uma região solitária. Subitamente um leproso se aproxima dele. Não vem acompa-nhado por ninguém; vive na solidão. Carrega em sua pele a marca de sua exclusão. As leis o condenam a viver afastado de todos. É um ser impuro. De joelhos, o leproso faz a Jesus uma súplica humilde. Sente-se sujo; não lhe fala de sua enfermidade e nem lhe pede que o limpe. Sua oração não trata de forçar a vontade de Jesus; resigna-se aceitar e acolher o que for da vontade d’Ele. Sabe que está transgredindo a lei ajoelhando-se diante de Jesus, quando devia estar longe. Só quer ver-se limpo de todo estigma. Jesus sente compaixão ao ver a seus pés aquele ser humano desfigurado pela enfermidade e pelo abandono de todos. Aquele homem representa a solidão e o desespero de tantos estigmatizados. Jesus “estende sua mão” buscando o contato com sua pele, o toca e o cura. Jesus também transgride a lei tocando um leproso; mas para Ele a religião não pode ser um estorvo para curar o ser humano. Marcos indica que, a partir de então, Jesus não podia entrar nas aldeias, com o qual Ele mesmo assume o destino daquele marginalizado – o destino de todos os leprosos, que não podiam entrar nas cidades -, justamente quando o cura. Tocar ou nos sentir tocados é, em determinadas circunstâncias, a linguagem mais inteligível do amor. Jesus demonstra seu amor… “tocando”. Ele não ama à distância, mas, a cada passo aproxima-se das pessoas, gosta de sentir-se apertado entre elas. Com amor e por amor Jesus tocava as diferentes pessoas. Com amor e por amor estas o tocavam. O Evangelho nada nos diz a respeito de palavras ou expressões que acompanhassem esses contatos. Com toda probabilidade não as havia. Porque quando se entra em contato verdadeiramente amoroso com alguém, sobram palavras. Basta a experiência tátil da “presença”. Tocar é algo mais que uma simples experiência física e psicológica. Tocar é sentir que uma corrente de vida passa de um para o outro. O órgão do tato é a mão.Quê mistério há em nossas mãos que constantemente querem tocas as coisas e as pessoas? Mas a mão é um órgão extremamente flexível:pode acariciar ou agarrar; pode golpear ou sustentar; pode puxar ou tocar delicadamente… Quando estendemos os braços e tocamos o outro espontaneamente descobrimos a compaixão e a riqueza que existe em todos nós. A união humana origina-se quando tocamos e somos tocados. Sim, isto depende de comotocamos… Há pessoas que nos tocam como uma crosta, uma casca; outras que nos remexem até a seiva, até o cerne. Há mãos que nos machucam, nos coisificam; e há mãos que nos pacificam, nos curam e até nos divinizam (imposição das mãos). A partir da experiência de fé podemos recuperar a dimensão do tato como possibilidade de viver de forma mais humanizadora e plena. Os sentidos, e de maneira especial o tato, nos fazem mais humanos, nos ajudam na descoberta dos outros, fazem palpável o amor fraterno, nos ajudam a reavivar a beleza do transcendente. A fé requer ser vivida e compartilhada de forma criativa. Texto bíblico:Mc 1,40-45 Na oração:A religiosidade popular está repleta de atitudes que testemunham o fato de que, para quemtem o coração à flor da pele, “orar e tocar” é uma só e mesma coisa. Orartocando é como reeditar as palavras de S. João:“Aquele que nossas mãos tocaram, dissodamostestemunho” (1Jo. 1,1). – Ninguém toca ninguém de longe.Toque o seu Deus comungando. Você também O estará tocando ao se apro-ximar d’Ele com uma visita, um telefonema, uma saudação na rua, um favor, um serviço prestado com amor. – Há templos famosos pela liturgia da oração tátil: orfanatos, hospitais, cárceres, periferias, sanatórios, asilos, favelas… Não deixe de frequentá-los. – Na sua oração, sinta-se próximo de todos. Toque tudo. Acaricie todas as suas recordações. É uma forma fabulosa de rezar a vida. – Não tenha receio dos “contágios”.Se rezar com o tato supõe proximidade, imediatez, supõe também não opôr-se a todo tipo de contágio. Quando tiver medo, recorde-se que também “Deus se contagiou dehumanidade”. – Finalmente, se você se sente “tocado” por Deus, produzir-se-á um autêntico transplante de pele. E tornar-se-á fácil para você pôr-se na “pele” dos outros. Você se tornará negro com os negros, cigano com os ciganos, criança com as crianças, pobre com os pobres…