Ladeira da esperança

“Rua sobe, Madalena\ lua desce tão serena;\ Lua sobe, Madalena\ rua desce tão pequena…” Mais ou menos, era esse o refrão de uma letra gravada em k7 pelo cantor Jean Carlo, para a música “Madalena”, de autoria de um amigo aqui da minha cidade. Tema de uma belíssima reflexão sobre a vida de muitas prostitutas. Recordo e ainda ouço esses acordes, depois de ouvir a algazarra de várias crianças deixadas pela mãe na casa dos avós, numa noite de sábado. “A bênção meu vô”, dizia uma delas. “Comportem-se”, recomendava a mãe. “Deus te dê juízo”, arriscou a avó, enquanto o carro saia em disparada pela ladeira abaixo. Não, não era o pai das crianças quem acelerava. Aliás, das cinco ali habitualmente deixadas aos sábados, nenhuma delas tinha um pai em comum. Talvez logo, logo, uma sexta criança venha a se somar ao grupo. É uma história que se repete. Entre a poesia e a história de vida dessa minha conhecida há certa distância, mas o fato é que vejo nela os mesmos traços daquela Madalena tentando sobreviver à custa do pouco que ainda lhe resta de beleza e vitalidade. Lua vai, lua vem e ela continua subindo e descendo as ladeiras da vida sem compromissos maiores. Até quando? Assim, entre uma rua e outra, nos largos mal iluminados, nas praças e vielas de todas as cidades, encontramos sempre essas meninas fáceis, a vender seus corpos por qualquer ninharia, em busca das migalhas que as mantêm vivas. Mas esse é um problema insolúvel, dirá o leitor apressado. Desde que o mundo é mundo, a prostituição existe, diz o conformista. Não queira você consertar uma situação irremediável, dirá outro. Ou, quando muito, alguém poderá citar a tentativa de um ex-BBB, eleito deputado por força de uma mídia sem escrúpulos, que, sem muito que fazer de sua fantasiosa carreira política, reapresentou um projeto arquivado para regulamentar a “profissão de prostitutas”. Talvez queira regulamentar a própria… Pode um absurdo destes? Pois bem: o tema que me deixa insone foi motivado pelas algazarras de algumas crianças, filhos de u’a mãe solteira. Como elas, milhões existem. Não será apontando as causas de uma promiscuidade social inconsequente, que daremos um basta à geração dos órfãos de pais vivos, mas desconhecidos ou ignorados convenientemente. “A bênção, meu vô”. Pelo menos estes ainda existem e estão aí para segurar a barra de uma forma ou de outra. Mas a natureza nos diz que eles irão primeiro e quase sempre quando os netos atingem sua adolescência ou início de vida adulta, isto é, quando mais necessitam do referencial de família para a solidificação do próprio futuro. Prostituição não se regulamenta com leis frias e impessoais. Antes, é uma questão de foro íntimo, que passa pela estrutura familiar coerente com princípios morais e éticos bem definidos. Também e principalmente pela consciência religiosa que fundamenta o comportamento humano. Sem esses valores, nunca conseguiremos explicar o valor da “água viva” que Cristo ofereceu àquela Madalena à beira de um poço. “Rua sobe, Madalena”. Vai adiante a silhueta daquela mulher arrependida, que, ouvindo palavras de amor e misericórdia, compreendeu que nem todos os homens a procuravam apenas pela sede de prazeres. Ele, estranhamente, lhe pediu somente água: “Tenho sede”. Em troca, lhe oferece “uma água que jorra para a vida eterna”, através da qual “jamais terá sede”… “Lua sobe, Madalena”. Há no horizonte uma nova luz que nos diz ser possível vencer a noite e encarar um novo dia com outro olhar sobre a vida. Na ladeira da Esperança é possível descer ou subir, ir e voltar. Mas, nas avenidas da vida, um dia todos estaremos órfãos de pais e mães, avôs e avós que fatalmente encontrarão a Travessa da Saudade. Então, quem cuidará das crianças? WAGNER PEDRO MENEZES wagner@meac.com.br

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