“Marcas da mudança de época Pensar a mudança de época é pensar a cultura contemporânea. Estamos numa cultura de incertezas, como diz o famoso sociólogo Zygmant Bauman, “não é possível nestes tempos definir identidades”; é tudo líquido. Há um processo em nossas mentes que representa o desconcerto, quer dizer, o descongelamento de ideias, utopias e, porque não dizer, de valores. O que parecia tão sólido e intocável no passado; hoje se mostra frágil. Uma fragilidade cultural. Eis o dilema. Tudo muda o tempo todo nestes tempos. Isto não quer dizer que nossa mente acompanha as mudanças. Há mentalidades que se tornaram rígidas e camufladas em valores importantes, embora pouco influentes; há mentalidades que acompanham pedaços de mudanças e buscam dar respostas; há mentalidades que avançam sem critério nenhum no modismo e caem num vazio existencial profundo; há, por fim, mentalidades que criticam, estudam, apresentam saídas nas encruzilhadas, mas influenciam muito pouco. É uma época de grandes ideias, sem dúvida, contudo de pouca consistência. Uma das marcas da mudança está no comportamento do ser humano. Nosso comportamento se tornou fluido. Não temos mais os ganchos da família, por exemplo, onde se descobria o outro, o diferente e se aprendia a viver com o irmão um pouco mais novo ou velho do que eu. Hoje as diferenças são vistas como ameaças ou, para muitos, de forma indiferente. Como diz a música de Chico Buarque alguns “estão à toa na vida vendo a banda passar”. É notável que o ser humano mudou também. Tinham-se reservas quanto ao roupo, infidelidade, violência, mentira, etc, hoje parece que tudo isto se tornou normal. É uma sociedade das liberdades, porém, da não compreensão correta do uso da mesma. Usa-se e abusa-se do ato de ser livre sem respeitar o outro na sua individualidade. Somos mais individualistas que individualidades. Outra questão está no ser homem ou ser mulher. Trata-se de outra mudança substanciosa na atualidade. Os padrões culturais que definiam o sexo parecem hoje desmontados. Não basta o sexo há uma ideia de que a pessoa deve escolher o sexo à custa inclusive da mutilação. É o problema ético muito pouco refletido. Mudar de sexo se tornou uma prática cada vez mais ousada dentro e fora do país. Até entre os transexuais há certa controvérsias em relação à mudança de sexo. A lei natural está praticamente esquecida na sociedade. O problema é que a temática da homossexualidade é complexa e exige reflexão mais apurada. O acolhimento das pessoas em condição homossexual e as uniões homoafetivas podem facilmente tender a uma aceitação considerada normal ou tender a discriminação. É uma faca de dois gumes apresentada no documento em preparação ao Sínodo n. 110-112. O beijo gay, por exemplo, ensaiado nas novelas, entra pelos nossos olhos e mexe com nossos sentimentos. E agora? A próxima novidade será apresentar um casal homoafetivo vivendo o dia a dia com toda a normalidade e desencontros de outros tantos casais. Por ai anda a humanidade. Estamos preparados para isto? Neste cenário da família é notável também alguns aspectos da mudança. O documento que prepara o próximo Sínodo afirma no n. 33: “Um dos grandes desafios da família contemporânea consiste na tentativa da sua privatização. Há o risco de esquecer que a família é a «célula básica da sociedade, o espaço onde se aprende a conviver na diferença e a pertencer aos outros» (EG 66). É necessário propor uma visão aberta da família, fonte de capital social, o que significa, de virtudes essenciais para a vida comum. Na família aprende-se o que é o bem comum, porque nela se pode fazer a experiência da bondade de viver juntos. Sem família o homem não pode sair do seu individualismo, pois só nela se aprende a força do amor para apoiar a vida, e «sem um amor fiável, nada poderia manter verdadeiramente unidos os homens: a unidade entre eles seria concebível apenas enquanto fundada sobre a utilidade, a conjugação dos interesses, o medo, mas não sobre a beleza de viverem juntos, nem sobre a alegria que a simples presença do outro pode gerar» (LF 51). O dilema está na definição da família nos tempos atuais. O documento do Sínodo aborda também a crise da educação cristã. A situação é muito complexa na Igreja. Em síntese pode-se dizer que estamos no meio de uma crise religiosa enorme. Segue-se um padrão de formação cristã que não corresponde mais aos anseios das pessoas e cria-se um vazio entre adesão a Jesus Cristo e prática de fé; devoção e evangelização. Falta processo iniciático à fé e da fé. O público alvo continua sendo as crianças, adolescentes e jovens, enquanto os adultos permanecem sem formação continuada da experiência iniciática da fé, ou seja, vive-se das sobras de uma catequese noética e muito pouco vivencial. Arrisco a dizer que o sacramento do Batismo está na olho do furacão e da crise porque os que ainda buscam batizar o fazem quase sempre por questões sociais, pura tradição, ou, em pior caso, como superstição religiosa. Não há quem garanta a educação da fé. E muitas paróquias insistem em manter uma péssima qualidade formativa em relação ao Batismo. É a lei do menor esforço. Duas horas de reunião chata e com mínimo de vivência religiosa e pronto está resolvido o problema. No dia seguinte o ministro batiza como se isto fosse a solução para todos os problemas da criança. É a banalização de tudo aquilo que diz o papa Francisco: “Com efeito, assim como a vida se transmite de geração em geração, também de geração em geração, através do renascimento na pia batismal, é transmitida a graça, e com esta graça o Povo cristão caminha no tempo como um rio que irriga a terra e propaga no mundo a bênção de Deus. Desde que Jesus disse o que ouvimos do Evangelho, os discípulos partiram para batizar; e desde aquela época até hoje há uma cadeia na transmissão da fé mediante o Batismo. E cada um de nós é um elo daquela corrente: um passo em frente, sempre; como um rio que irriga. Assim é a graça de Deus, assim é a nossa fé, que devemos transmitir aos nossos filhos, às crianças, para que elas, quando forem adultas, possam transmiti-la aos seus filhos. Assim é o batismo. Porquê? Porque o batismo nos faz entrar neste Povo de Deus, que transmite a fé. Isto é deveras importante. Um Povo de Deus que caminha e transmite a fé” (catequese 15/01/2014) . É preciso ter a coragem para mudar o cenário. A questão é: quem vai fazer isto? Enquanto a preocupação for estatística nada de novo acontecerá. Quando o investimento for no processo formativo à luz da experiência de fé, então poderemos ter cristãos mais conscientes, comunidades mais fortes e menos perdas. É urgente mudar! Pe. João Mendonça, sdb”