Nos dourados anos de minha juventude, brindava à vida com “cuba libre”. Era uma mistura de rum mal destilado nos porões latino-americanos (versão da vodka russa) com o símbolo dos mistérios imperialistas do norte, o refrigerante que não cola ou a coca sem procedência exata, sem o porquê do nome… Eta mistura fina! Ah, era essa também a marca do cigarro mais vendido na época. Assim, à sombra do Guevara, Lamarca e Fidel, construíamos a história, bebendo nossa “cuba” e sonhando com uma pátria amada, idolatrada. Alguns mandavam “tudo para o inferno”, mas outros seguiam trilhas difusas, “caminhando e cantando e seguindo a canção”, mesmo que fosse “pra ver a banda passar” ou que a caminhada acabasse num “samba de uma nota só”. Entre o sonho e a realidade, adocicávamos nossos lábios com drops tutti fruti, balinha inofensiva que nos ajudava a passar o tempo “no escurinho do cinema”, emocionados com “Dio, come ti amo”. Já na fita real das nossas praças e ruas a guerra corria solta, a bala não era tão inofensiva; era o DOPS, cruel e amargo, que silenciava nossas vozes e fazia zunir balas e chicotes sem qualquer sabor de frutas. “Marcas do que se foi”, sonhos que não mais embalam a esperança dos que ficaram para trás. A internacional e intencional utopia, entretanto, continua a mesma. Seus versos são universais, mais ainda num mundo globalizado. Todos os povos, em todas as épocas, possuem um sonho de liberdade, um hino que embala a esperança de uma sociedade “mais justa, humana e fraterna”, apesar das ideologias tendenciosas que conduziram e conduzem suas santas aspirações. Todas elas, da direita ou esquerda, do capital ou do social, da pátria entrincheirada em suas fronteiras ou do mundo sem divisas, classes, raças…, todas têm lá seu tendão de Aquiles, seu ponto fraco, injusto. O ópio do passado busca um mercado comum, uma abrangência maior. A bebida destilada e o refrigerante gaseificado marcaram época. A tendência atual é pelo lêvedo dos fermentados, em todas suas nuances e sabores e o refrigério da juventude se exibe sob o efeito dos energéticos e vitaminas mirabolantes, à luz das academias que já não cultuam a mente, mas o corpo. Não a alma, nem a calma, mas a força, o físico. Tempos modernos, distantes das mímicas em preto e branco, irreal, do bom Charles Chaplin. Tempo real, de comunicação instantânea, onde a tecnologia se expande, mas o tecnólogo se fecha sobre si mesmo… Outrora se oferecia asilo aos intelectuais, cientistas ou pensadores de renome. Eram disputados quase a tapas. Agora, a prioridade é para atletas perfeitos, sarados, competitivos, campeões! Tempos outros, esse nosso! O que mudou? A química ou a alquimia? A meta ou o ideal? A alma ou o corpo? Só sei que o capitalismo ainda corrói corpos, mentes, corações. O comunismo teima em mostrar seus dentes, que diziam devorar criançinhas, mas hoje não passa de um sorriso amarelo, desconcertado, de um comandante ainda fiel a seus sonhos revolucionários. A ilha da fantasia insiste em vender ao mundo uma imagem de perfeição, de vencedores como o pequeno Davi. O que nos resta? Seria o espectro de um sonho ou de uma humanidade sem horizontes, sem outros planos a embalar? Lutar sem perder a ternura? Questões em demasia, porém parcas são as respostas. Uma única talvez nos satisfaça: “Meu filho, faze o que fazes com doçura, e mais do que a estima dos homens, ganharás o afeto deles” (Eclo 3, 19). Traduzindo: mais do que teses e teorias, sonhos políticos que visam o poder, não o povo, o mundo de hoje necessita de ações, não ilusões. Ainda bem que me sobra algo: acreditar que um dia brindaremos juntos com um cálice de “vinho novo”, o refrigério das almas sedentas que têm no cristianismo o ideal do mundo que sonhamos. Fermento bom nunca estraga a massa. WAGNER PEDRO MENEZES wagner@meac.com.br