“Quando o sol apareceu, as plantas ficaram queimadas e secaram, porque não tinham raiz”(Mt 13,6)
Temos perdido as raízes? Como conectar-nos com elas? Quê raízes nos alimentam? Onde estamos enrai-zados?Quais são as raízes que nutrem atualmente nossa vida? São as melhores?
Enraizamento, fincar raízes, viver da profundidade das raízes… O “novo” vem das raízes, vem de baixo, da base, do chão da vida. É preciso relançar uma nova radicalidade. Viver a partir das raízes, projetar a partir das raízes, criar a partir das raízes.É tempo de fortalecer as raízes; e viver o tempo das raízes para ser presença “diferenciada” na realidade cotidiana de cada um.
Neste novo contexto em que vivemos, marcado pelo desenraizamento, promove-se muito mais viver em mundos virtuais, em espaços criadospela tecnologia, comunicando-se através de relações informáticas com pessoas distantes, desenraizando-se do próprio chão existencial; no emaranhado das imagens e sons perde-se a noção daquilo que é essencial, decisivo para a vida; vive-se na superfície dos acontecimentos e de si mesmo; mina-se a consistência interior e fundamento sobre o qual se apóia a própria vida; esfria-se toda proximidade e relação com o outro; petrifica-se todo compromisso com as causas sociais…
Desenraizar-se é desumanizar-se.
Jesus, o homem enraizado em seu povo e sua cultura, traçou seu caminho em parábolas. Suas palavras romperam a ordem oficial do templo, a segurança dos sacerdotes, a razão dos escribas, colocando todos os homens e mulheres do povo frente à proposta de vida plena e feliz, desejada pelo Pai.
As parábolas parecem revelar a verdadeira identidade de Jesus; é como se alguém lhe perguntasse: “quemés tu? O que fazes?”.Segundo Mateus, Jesus é o verdadeiro semeador. Por isso, é decisivo prestar atenção ao seu modo de semear. E Ele faz isso com uma surpreendente confiança; semeia de maneira abundante; as sementes de humanidade são lançadas em todos os tipos de terrenos, mesmo entre aqueles onde a germinação parece difícil. O semeador não desanima nunca; sua semeadura não será estéril.
A parábola do “semeador” é muito precisa, nem uma palavra a mais, nem uma a menos; nenhum floreio ou comentários em excesso… Austeramente, Jesus descreve o que acontece com a semente, partindo das experiências normais da agricultura de seu tempo, um exemplo concreto do trabalho nos campos, de ma-neira que todos os ouvintes podiam entendê-lo.
Tudo é normal e todos se descobrem imersos nela, como se estivessem juntos construindo a parábola, buscando seu sentido. Pois bem, quando ela é escutada dessa forma descobrimos que ela desafia todas as convenções sociais, pondo em movimento nossa vida, pois ela fala de nós, do que somos e fazemos. Assim ela se revela surpreendente, pura transparência, como um chamado à nossa própria criatividade.
Nesse sentido, toda parábola vem iluminar e inspirar nosso modo de seguir e de nos identificar com Jesus; tal seguimento não é questão de uma simples adesão à pessoa de Jesus, mas um enraizamento na vida d’Ele, buscando ali a seiva que vai dar novo sentido à nossa existência.
A “nova radicalidade” (e não radicalismo) é a forma de seguir a Jesus. É uma radicalidade amável e expansiva, porque quem chega às raízes descobre-se enraizado na natureza humana, naquilo que todos compartilham e, por isso mesmo, descobre-se e sente-seenraizado no Outro.
Ninguém pode viver sem raízes, pois não se sustentaria de pé. Quando perde suas raízes, o ser humano se atrofia e fica privado de algo decisivo, essencial: de uma fonte de vitalidade.
A verdade é que a vida cristã nos pede “desenraizamento”de algumas realidades que nos envenenam efazem romper as relações (enraizamento no poder, na riqueza, na centralidade do próprio ego, na cultura da superficialidade…). Para dizer um “sim” ao seguimento de Jesus e enraizar-nos em uma realidade verdadeiramente consistente (sua palavra e vida) é preciso dizer “não” àquelas outras realidades, desprender-nos delas, desenraizar-nos delas.
Ao nos convidar a ter raízes profundas, o Evangelho de hoje está afirmando algo muito importante: nesta terra, nesta realidade social, cultural, eclesial e política, já está semeado o Reino, já está viva e ativa a presença do Deus fiel que cria futuro. Nós nos alimentamos desta realidade na medida em que nos deixa-mos semear nela.
Somente aquele que se deixa semear experimenta o sabor da seiva da vida de Deus entrando por suas raízes, percorrendo seu ser inteiro, fazendo-o crescer e dando os frutos de que nosso povo precisa. Aquele que não se deixa semear vive de ilusões e quimeras que envenenam sua existência.
O duro trabalho de lavrar a terra, de semear e semear-nos nela, supõe um amor pela terra. Acreditamos
nela, a apalpamos entre os dedos para sentir sua qualidade. O camponês ama sua terra não só pelo que lhe possa produzir, mas porque nela está presente a herança de gerações familiares que lhe precederam. Sua terra tem nomes e sobrenomes: para ele é um ser vivo com sangue de família em suas entranhas.
Amamos a terra na qual estamos semeados como Jesus amou o seu povo?
Ter as raízesfincadas na história, na realidade, raízes que a partir do oculto nutrem nossa vida e alargam o coração, é saber que temos uma origem e uma meta que é o próprio Deus.
Raízes que se entrecruzam por debaixo do solo, no profundo, compartilhando a mesma água e o mesmo húmus. Vida nova, que cresce a partir de dentro e a partir de baixo, a partir do oculto.
Ramos que se abrem e se curvam buscando a luz.
Uma vida iluminada. Profundidade, serenidade e descanso. Solidariedade e comunhão. Vida que cresce em companhia. Vida consistente. Solidão habitada e fecunda.
Muitas vezes o enraizamento supõe estar presente naquelas realidades das quais muitos fogem, das quais muitos renegam, ou que são somente terras de passagem, fronteirasque geram medo e insegurança.
O enraizamento supõe respeito para com toda realidade, amar a terra concreta tal como ela é,como Jesus que, na Encarnação, foi semeado naquela terra dominada e excluída da Palestina.
Foi no enraizamento do chão daquele povo que Jesus foi se humanizando e abrindo-se à novidade do Rei-no do Pai que tudo transforma. Assim expressa Jesus de si mesmo quando se comparou com a videira plantada na terra de Israel.
É preciso deixar-se semear não só onde a terra já está preparada durante gerações, mas também nas margens da realidade, na dureza das terras sem arar, cheias de pedregu-lhos e de espinhos.Não podemos fugir da realidade que temos de arar, semear e cultivar com sua dureza e com seu encanto.
Texto bíblico:Mt 13,1-23
Na oração: Uma vida que se enraíza, é uma vida firme, consistente.
Por outra parte, as raízes na planta, são as que se introduzem na terra e crescem em sentido contrário do tronco, servindo-se como sustentação. Graças a elas pode absorver o alimento necessário para seu crescimento.
– quais são e onde estão as raízes nas quais seu coração se alimenta?
– onde apoia sua vida? quê é o que a sustenta?
Pe. Adroaldo Palaoro, SJ (Companhia de Jesus)