Normalmente, um pequenino grão, seja de qual cereal for, não representa nada para nossas necessidades de sobrevivência. Será? Pois o grande escritor francês Júlio Verne nos provou o contrário. Em um de seus fabulosos livros, A Ilha Misteriosa, falou-nos da importância de um único grão de trigo. Contou-nos a história de cinco aventureiros que, em fuga com um balão, acidentaram-se em alto mar e caíram numa ilha deserta do oceano Pacífico. Possuíam apenas a roupa do corpo. Mas também inteligência e vontade de sobreviver. Com garra e coragem, reconstruíram aos poucos os padrões de uma vida ao menos civilizada, usando de seus conhecimentos e da riqueza natural daquela ilha, para amenizarem o desafio que aquele acidente lhes apresentava. Até certa tecnologia foi usada, o que lhes permitiu uma vida razoavelmente confortável naquela ilha aparentemente inóspita. Conseguiram muito: resgatar a arte da cerâmica, a fundição de utensílios de ferro, a construção de barragens, a criação de animais para o próprio sustento, a fiação de tecidos, a fermentação de cervejas, além da construção de bombas, pois conseguiram também produzir nitroglicerina a partir dos elementos químicos ali abundantes. Só não conseguiram o pão de cada dia; faltava-lhes seu elemento básico, o trigo. Um dia um dos sobreviventes descobriu, na dobra da própria roupa, um grão de trigo! Em bom estado, a pequenina semente foi tratada como jóia preciosa e semeada docilmente naquela terra fértil. “Limparam o lugar, revolveram a terra para tirar qualquer inseto ou verme, fofaram-na bem e adicionaram-lhe um pouco de cal. Enterraram o grão no solo úmido e cercaram-no, para protegê-lo” – narra o grande escritor. “Parecia que os colonos estavam erigindo alguma pedra fundamental”, acrescentou. Depois de algumas colheitas e replantios, eram vários os hectares de trigo por eles semeados. A primeira fornada de pão foi um banquete dos deuses! A narrativa me transportou para as parábolas das Sementes do Reino, que Jesus apresenta daquele seu jeito simples e peculiar: “Um semeador saiu a semear…” Depois nos fala do terreno, do joio, do grão de mostarda – a menor das sementes que se transforma no maior dos arbustos – e do trigo… Assim sintetiza sua mensagem: “O Reino de Deus é como um homem que lança a semente à terra. Dorme, levanta-se, de noite e de dia, e a semente brota e crescem, sem ele o perceber. Pois a terra, por si mesma produz, primeiro a planta, depois a espiga e, por último o grão abundante na espiga. Quando o fruto amadurece, ele mete-lhe a foice, porque é chegada a colheita” (Mc 4, 26-29). Enfim, se o homem não plantar, nunca poderá colher. Eis tudo: o Reino só não acontece quando ignoramos a importância de sua semente – única para cada um de nós – que temos escondida nas dobras de nossos dilemas ou nas túnicas que encobrem nossa nudez diante de Deus. É preciso semeá-la com mais cuidado e, com igual zelo, fazê-la germinar entre nós. Caso contrário, nosso existir – esse mundo que pensamos conquistar com nossa tecnologia e inteligência – nunca será perfeito. Falta-nos algo essencial à mesa de qualquer vivente, o alimento que lhe dá vida, o pão de cada dia, o básico, para que qualquer aventureiro possa fugir das desventuras em sua vida e transformar a terra onde Deus o colocou. Falta à humanidade o pão macio e saboroso da solidariedade, da fraternidade, que só será real quando multiplicarmos a semente da fé que nos foi confiada individualmente. A pedra fundamental da vida plena está em nossas mãos. Construir um mundo melhor é também uma atitude individual. Somada ao coletivo, a colheita virá farta. “Se o grão de trigo não morrer”, se não deitarmos por terra a semente que Deus colocou em cada coração capaz de amar, nunca conheceremos o sabor do “Pão-Vivo descido dos Céus, as alegrias do Reino de Deus nesta ilha misteriosa que é a vida… WAGNER PEDRO MENEZES wagner@meac.com.br