Nada há de mais inquietante que o monótono zunir de um grilo. Principalmente quando este se estabelece próximo à nossa janela ou ao lado de nossa sala de estar, no emaranhado das flores e plantas de nosso pequeno jardim. Pior que seu zumbido intermitente, em noites acaloradas, só mesmo a dor de consciência diante dos próprios erros. Não à toa, grilo, cigarra, gafanhotos são insetos aparentados, cuja característica maior é seu canto possante e estridente. Mas minha implicância com essas criaturinhas de Deus tem um fundo pedagógico que vem das muitas fábulas escritas a respeito. Quem não se lembra da cigarra com seu violão, cantando nas noites de luar, enquanto ao lado miríades de pequenas formigas aproveitam a luminosidade numa faina interminável para encher seus celeiros, em vista do inverno que se aproxima? Quem, por outro lado, nunca disse estar “grilado” com um problema a martelar sua paz de espírito? Quem nunca se incomodou com a voracidade de grilos e gafanhotos sobre plantas e jardins arduamente cultivados? Não por acaso, uma das dez plagas do Egito era um ataque de gafanhotos. Porém, na minha infância, tinha especial afeição por um deles, o louva-Deus, que se defendia de qualquer ameaça postando piamente suas patinhas para os céus. O que me leva a escrever sobre tais insetos não é só o fato de um deles me incomodar neste instante, “grilando em meus ouvidos” e mandando para longe qualquer inspiração. O mais curioso dessa história é o fato de grilos, gafanhotos e cigarras já terem sido animais de estimação (e ainda o são) em muitos países de culturas mais afeitas aos mistérios e maravilhas da natureza, tais como Japão, China e alguns países da Europa e norte da África. Na China, a visita de um grilo é sinal de sorte. Em muitos países são considerados fonte de proteínas e, por conseguinte, são criados como alimento. Serviu para alimentar João Batista no deserto, diz a Bíblia. Antigamente, muitas casas enfeitavam suas varandas com pequenas gaiolas, que aprisionavam esses insetos, selecionados para executarem o mais belo trinado ou mesmo como animais de rinha, tais quais nossos bem conhecidos galos de briga. Assim também rendiam alguns trocados a seus proprietários. Mas, dessa história sem muito propósito, o mais interessante e descobrir que nenhum deles canta… Isso mesmo, não existe canto do grilo, da cigarra ou do gafanhoto, pelo menos como entendemos um canto, um som harmonioso, gutural, vindo de cordas vocais especialmente privilegiadas. Acontece que esses insetos, símbolos da boa vida e da malandragem sem qualquer compromisso ou responsabilidade, tiram sons de suas asas. “Para tanto, os machos possuem uma série de pelos nas bordas das asas, alinhados como pentes, e produzem os sons roçando uma asa contra a outra” (Wikipédia). Seu falso canto serve apenas para atrair suas fêmeas, vejam só! Até nisso o grilo no meu quintal me passou a perna. Porém, se já não posso protestar contra um canto em descompasso, busco justificativas no mais belo dos Cânticos de Salomão, o homem da lira e do compasso, da harmonia com tudo o que era belo ao seu redor. E nada mais poético do que imaginar sua alma lírica, cantando para sua amada no desejo de ser correspondido: “Os amigos estão atentos; ó tu, que habitas nos jardins, faz me ouvir a tua voz” (Cant 8,13). Moral da história: Não importa se um grilo incomoda seus sentidos e faça sentir tédio no jardim de sua existência. Olhe para os amigos que ao seu redor ainda se alegram com os sons e as maravilhas do nosso Éden. Com certeza sua alma rejubilar-se-á com a beleza da vida e encantar-se-á com os cânticos e sons que só fazem vibrar os tímpanos dos vivos. Sim, o grilo me diz que ainda vivo, que ainda habito o jardim terreno. Faz me ouvir a tua voz, Senhor! WAGNER PEDRO MENEZES wagner@meac.com.br