Hà um dito popular que afirma: “os incomodados que se mudem”, e é mais ou menos isso que sentimos quando lemos com calma a mensagem que o papa Bento XVI enviou aos cristãos do mundo inteiro a respeito da quaresma deste ano. E parece que a proposta é exatamente essa: não só incomodar, mas desacomodar, tirar do comodismo e colocar cada um de nós diante de uma opção pelo Cristo que reside no outro. A mensagem papal “pega” em questões fundamentais como: a capacidade que temos de, muitas vezes, olhar e não “enxergar” o outro; de se preocupar com a situação dos outros, mas ser incapaz de fazer algo para melhorar essa situação; de se condoer pela dor do outro, mas pouco ou nada fazer para ajudar a minimizar essa dor; de reconhecer que existe muita injustiça e indiferença, mas continuar nosso caminho em busca da nossa própria realização pessoal compactuando com essas situações. Já no final de sua exortação, o Papa afirma que “os mestres espirituais lembram que, na vida de fé, quem não avança, recua”, por isso sua mensagem vai fundo numa reflexão sobre o que é o cerne da vida cristã: o amor. Bento XVI chama nossa atenção para o capítulo 10, versículo 24 da Carta aos Hebreus: “Prestemos atenção uns aos outros, para nos estimularmos ao amor e às boas obras” no qual, segundo ele, em poucas palavras, oferece um ensinamento precioso e sempre atual sobre três aspectos da vida cristã: prestar atenção ao outro, a reciprocidade e a santidade pessoal. 1. “Prestemos atenção”: a responsabilidade pelo irmão. Aqui, o Papa revela o convite de Jesus a fixarmos o olhar no outro e a estarmos atentos uns aos outros, e não nos mostrarmos alheios e indiferentes ao destino dos irmãos. Mas, que acontece com demasiada frequência? Prevalece a indiferença, o desinteresse, porque somos egoístas e estamos por demais ocupados e preocupados com nosso próprio bem estar. Ele lembra que, se de fato somos irmãos temos que ver no outro um verdadeiro alter ego, infinitamente amado pelo Senhor. Se cultivarmos este olhar de fraternidade, brotarão naturalmente do nosso coração a solidariedade, a justiça, bem como a misericórdia e a compaixão. O Servo de Deus Paulo VI afirmava que o mundo atual sofre sobretudo de falta de fraternidade: “O mundo está doente. O seu mal reside mais na crise de fraternidade entre os homens e entre os povos, do que na esterilização ou no monopólio, que alguns fazem, dos recursos do universo» (Carta enc. Populorum progressio, 66). Bento XVI nos coloca para refletir diante da parábolo do bom samaritano e descobrir com qual daqueles personagens nos identificamos em nosso modo de viver. 2. “Uns aos outros”: o dom da reciprocidade. Aqui o Pontífice nos recorda de algo que a sociedade capitalista faz questão de encobrir. Somos guardas de nossos irmãos, mas não podemos reduzir a vida à dimensão terrena. Se assim o fizermos, deixaremos de a considerar na sua perspectiva escatológica e aceitaremos qualquer opção moral em nome da liberdade individual. Se assim agirmos, nos tornaremos surdos aos sofrimentos físicos e às exigências espirituais e morais da vida. Fundamental ensino vem quando o Papa recorda que os discípulos do Senhor, unidos a Cristo através da Eucaristia, vivem numa comunhão que os liga uns aos outros como membros de um só corpo. Isto significa que o outro me pertence: a sua vida, a sua salvação têm a ver com a minha vida e a minha salvação. 3. “Para nos estimularmos ao amor e às boas obras”: caminhar juntos na santidade. Bento XVI pede que não nos esqueçamos de considerar a vocação universal à santidade como o caminho constante na vida espiritual, a aspirar aos carismas mais elevados e a um amor cada vez mais alto e fecundo. Também nos anima a estimular-nos, mutuamente, a um amor efetivo sempre maior, pois, o tempo, que nos é concedido na nossa vida, é precioso para descobrir e realizar as boas obras, no amor de Deus. No entanto, o Papa também mostra que, infelizmente, facilmente nos rendemos à tentação da tibieza, de sufocar o Espírito, da recusa de colocar nossos talentos para bem nosso e dos outros Finaliza sua mensagem conclamando-nos a esforçarmo-nos por nos adiantarmos no amor, no serviço e nas obras, de forma particular neste tempo santo de preparação para a Páscoa. É a voz do pastor que chama suas ovelhas. Podemos segui-la, ou não. Depende somente de nós, não esquecendo que na vida de fé, quem não avança, recua. Odilmar Franco Missionário MEAC – odilmar@meac.com.br