Distante apenas 30 quilômetros de Jerusalém, Emaús era um pequeno povoado nos arredores da cidade santa. Pouco ou nada se teria a falar desse lugarejo, não fosse o caminhar desolado e entristecido de dois discípulos de Jesus, quando retornavam para suas casas após presenciarem ao vivo os últimos acontecimentos daquela fatídica páscoa. A paixão e morte daquele que poderia “resgatar Israel” corroía suas almas e dilacerava seus sonhos. Era já o terceiro dia e a notícia do “desaparecimento” do corpo daquele no qual depositaram tanta esperança encerrava um ciclo, não lhes restando senão aquele caminho de volta, aquela estrada sinuosa e ensolarada, que os devolvia à realidade. O sonho e a esperança se diluíam mais uma vez. Desciam de Jerusalém – cidade onde o templo de Deus fincara suas raízes históricas e milenares – e retomavam o caminho de suas lidas diárias. Os príncipes e reis que ocupavam palácios e mansões da santa cidade continuariam exercendo seus poderes de mando e desmando sobre um povo manietado. Pouco importava o simbolismo do templo santo. Suas leis continuariam fazendo sombra às leis encerradas naquele templo e o Santo dos Santos – lugar sagrado que indicava a presença de Deus – não mais fazia sentido. O templo que seria derrubado e reconstruído em três dias ainda era uma metáfora incompreensível para aqueles corações desiludidos, frustrados em suas expectativas de vida nova. Descer de Jerusalém em tais circunstâncias não era, com certeza, uma caminhada fácil. Talvez fosse esse o trajeto mais longo de suas existências… Mas eis que uma terceira pessoa se junta a eles. Ouve suas lamúrias, entende suas preocupações, conhece seus dilemas… Pobres discípulos que fiaram em palavras apenas e estavam cegos para os mistérios das muitas verdades ainda nebulosas em seus corações! “Como vocês custam para entender, e como demoram em acreditar em tudo o que os profetas falaram!”, foi a primeira observação daquele estranho companheiro de jornada. O mesmo que refizera aquele caminho de forma inversa, “subindo” para Jerusalém, onde cumpriria “tudo o que os profetas haviam dito”, ou seja: sua entrega total e submissa, para que “se cumprissem as escrituras”. Mas os discípulos estavam cegos, exigiam mais. As palavras daquele “estranho” lhes soavam familiares e aliviavam seus corações conturbados. Por isso, pediram: “Fica conosco, pois já é tarde e a noite vem chegando”. Essa é nossa estrada, nosso caminho na cruenta realidade que nos cerca. Caminho longo e pedregoso, com certeza, mas que alivia os pés cansados daqueles que se deixam contagiar pela doutrina do nazareno. Muitos só encontram espinhos e decepções diante da realidade que os cerca. O mundo nos condena, como um dia condenou nosso mestre. Levar adiante nossa fé e aceitar sua ressurreição como fato consumado é deveras um desafio. Uma realidade além das possibilidades de compreensão daqueles que estão distantes de uma experiência pessoal com Cristo, de uma caminhada aberta às suas promessas e revelações. “Fica conosco” – é o apelo dos que se familiarizaram com seus ensinamentos e hoje o reconhecem no simples gesto da partilha. Partilha que é também revelação. A estrada de Emaús é o único caminho que nos resta, se desejarmos que nossa longa estrada não seja uma via de mão única, mas um caminho de revelações. A vida é essa estrada. As lições daquele “estranho companheiro”, só elas, é que poderão preencher nossas incertezas e deixar “nosso coração ardendo” quando ele nos fala neste caminho. Então, quando soubermos partilhar esse mistério com alegria e destemor diante das lógicas do mundo, mais uma vez, poderemos reconhecer Jesus que caminha conosco nesta estrada. Fica conosco, Senhor! WAGNER PEDRO MENEZES wagner@meac.com.br