A PONTE CAIU

Nos bons anos de minha infância em Palmital – SP, minha terra adotiva, um clube de pesca idealizou e construiu uma arrojada ponte pênsil. Ligava margens e ilha fluvial onde possuíam um rancho de pescas. Lá era a sede do G20 daquela época, o Clube dos Vinte. Cá, às margens, ficávamos nós outros, a turba de plebeus marginalizados de uma elite social, que semanalmente afogava seus nervos na farta pescaria de curimbatás, dourados e pacus, abundantes nas águas do Paranapanema. À inauguração da pitoresca ponte acorreram multidões, convidados e curiosos. Antes mesmo do ato oficial, centenas de pessoas tomaram de assalto aquele “caminho sobre as torrentes”, admirando a paisagem e a criatividade dos engenheiros – aproveitaram cabos de aço que outrora se prestavam a movimentar algum elevador então aposentado de algum edifício e o reutilizaram como fio condutor de tábuas justapostas e redes laterais. Pronto! – Essa era a ponte… Calcularam bem as distâncias, mas não tão bem o peso que poderia suportar. Então lá se foi o povão, deliciando-se com aquela travessia, aproveitando a brisa e… o balanço da ponte. Logo mais chegava o padre, inocente que era também no próprio nome, com sua água benta e a estola de sua autoridade sacerdotal. Pouco lhe valeram esses instrumentos sacros, pois mal se aproximou, ergueu as mãos qual novo Moisés diante da travessia de um mar revolto, quis proferir suas orações, mas um estrondo, gritos, pedidos de socorro anteciparam a bênção do padre. A ponte caiu. A grande maioria deu com os burros na água, mergulhando em seus redemoinhos ou seguindo o curso das bravias correntezas. Alguns poucos escaparam do banho surpresa, enroscados nas redes de proteção das laterais. Mas enroscados ficaram. Não encontrei melhor acontecimento para ilustrar e comentar as ações de outro grupelho com iguais pretensões, o G20, clube de pesca dos países ricos. Ironia maior é que no banco dos réus desse clube de privilegiados está justamente o berço da democracia humana, a Grécia. Dizem as más línguas que o berço quebrou. Que daqueles dos quais um dia extraímos o modelo ideal para a construção de uma civilização responsável com o bem comum, hoje só sobram ruínas de seus fóruns e parlamentos. Tudo deles o mundo sugou: sabedoria, arte, filosofia, além da arte de bem gerir o que é público, discutir o que é polêmico e respeitar o que é sagrado. O mundo tem uma enorme dívida de gratidão para com a Grécia. Nessa ilha de sabedoria e justiça social nasceu o modelo da civilização como hoje a compreendemos. Se a ponte que nos une parece ruir, o responsável único é a engenharia monetária que a sustenta extensivamente (também ostensivamente), calculando apenas os benefícios imediatos de sua razão de ser. Pouco importa a seus construtores o peso do povo – esse que ficará sempre à margem, pois é lá seu lugar – porquanto o objetivo primeiro é dar salvo conduto aos associados do clube, isolar as classes, garantir mais benesses à elite dos mais abastados. Mas, já dizia Aristóteles, o teórico mais prático da Grécia antiga: “As pessoas dividem-se entre aquelas que poupam como se vivessem para sempre e aquelas que gastam como se fossem morrer amanhã”. Recordemos aqui recente afirmativa do Santo Padre (esse que não é tão ingênuo como muitos pensam) ao tratar das ameaças que a crise econômica atual faz ao mundo: “O centro da economia deve ser o homem”. A frustrada reunião do Clube dos Vinte foge desse ponto, teimando na preservação de sua ilha de fantasias. Não há como manter essa ponte entre países ricos e pobres sem um planejamento globalizado, que considere o ponto fraco da estrutura social que aí está. Ou todos nós fazemos essa travessia ou a Terra Prometida nunca terá a possessão que sonhamos. Lá em minha terra a ponte caiu, mas todos sobreviveram. WAGNER PEDRO MENEZES wagner@meac.com.br

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