Um simples olhar sobre a vida pregressa de muitas pessoas estampa no consciente coletivo um rótulo nada atraente: pecam diante de Deus. Quantas vezes assim não dizemos ou pensamos do comportamento anticristão de muitos; não nos aproximamos desta ou daquela pessoa por discordarmos de suas atitudes, pensamentos e vida dissoluta? O conceito da fé é gerador do preconceito social, quando vemos as pessoas pelas aparências e não pela igualdade da fraqueza humana, que nos coloca numa vala comum. Quem somos nós para julgar? Neste rol de conceitos e preconceitos está em questão o bem e o mal, a justiça e a injustiça, o certo e o errado, Igreja e Sociedade, Deus e o Diabo. Acontece que o Povo Eleito, – este que somos nós, os cristãos – está inserido nesta realidade tanto quanto todos os demais, que catalogamos como infiéis, pecadores, agnósticos… Nem por isso somos melhores ou mais santos do que estes. A fé pura e simples não garante a salvação. Nem o Batismo, nem a vida comunitária (ou eclesial), nem a assiduidade aos atos litúrgicos, aos sacramentos. “Se quiser salvar-se, terá que nascer de novo”, diria Jesus a um dos seus interlocutores. Ou, buscando novas vocações, diria aos fariseus: “Não vim chamar à conversão os justos, mas sim os pecadores” (Lc 5,32). Ou ainda, falando a um jovem rico e virtuoso: “Se queres ser perfeito, vai, vente teus bens, dá-os aos pobres e terás um tesouro no céu. Depois, vem e segue-me” (Mt 19,21). Três, portanto, são as condições básicas para a garantia de vida eterna: nascer de novo, reconhecer os próprios pecados e não ter apego à matéria. Todas elas voltadas para seu único e maior mandamento: “Amar ao próximo como a si mesmo”. Diante dessas condições, fica fácil perceber a prepotência de muitos que se acham maiores e melhores do que a maioria a seu redor. Triste é constatar serem estes membros ativos e assíduos freqüentadores das nossas igrejas, ou, na somatória dos fatos, a própria Igreja. Não por acaso ela é tida como instituição “santa e pecadora”; portadora da mais sólida proposta divina à humanidade redimida em seu sangue, mas igualmente fraca e muitas vezes pecadora enquanto constituída de pessoas falíveis e inseguras como somos todos nós. A santidade que almejamos só é possível quando renovada diuturnamente. Por isso o cristão faz da vida um constante “nascer para o alto”, um exercício contínuo de renovação interior para compreender e receber a graça de uma espiritualidade sólida. Por isso a humildade de reconhecer nossos próprios deslizes e fraquezas nos proporciona um coração mais atento e aberto à aceitação do outro, em especial daqueles que nossos conceitos apontam como pecadores. Maior pecado é o nosso. Por isso somos convidados a “vender tudo”, em especial os bens espirituais que julgamos só nossos e os recursos materiais que nossa consciência justifica muitas vezes como bênçãos dos céus. Nenhuma riqueza neste mundo será justificável sem seu uso social, sem a ótica da necessidade alheia, os pobres que cruzam nosso caminho. Muito menos se retermos nossa fé como riqueza inviolável e impenetrável para o outro. Aí então poderemos compreender um pouco mais o mandamento da fraternidade universal: amar como amamos nossa própria carne, nossa própria espiritualidade. E como isso é difícil! Tão extraordinariamente desafiador e profundo, que o próprio Cristo, do alto de sua cruz de doação plena, total, por nós, por você, por todos os pecadores (não pelo pecado) deste mundo, deixou escapar: “Pai, se possível, afasta de mim esse cálice”. Sua carne, sua fraqueza humana quase falou mais alto. Mas renovou-se, nasceu de novo seu espírito sobre-humano, a santidade plena de que era portador desde a Origem: “Mas não se faça como eu quero, mas como tu queres”. No auge desse parto de amor de Deus por suas criaturas e que devemos reconhecer na Igreja que somos a vida santa e pecadora que possuímos. WAGNER PEDRO MENEZES wagner@meac.com.br