Dentre os poucos valores que a humanidade cultiva sem distinção de credos, raça ou cor da pele está a amizade. Só por isso, ainda a considero como forte sinal de esperança e atributo importantíssimo para a construção do mundo novo que desejamos.
Mesmo assim, essa qualidade entre os seres humanos já dá sinais de cansaço, descrença. Torna-se coisa rara numa sociedade atropelada pelos interesses individuais e não coletivos. Truman, ex-presidente norte americano, já em sua época constatou a degradação desse valor social ao afirmar: “Se você quer ter um amigo em Washington, compre um cachorro”. A que ponto chegou a humanidade! Amigo leal já não se encontra gratuitamente, nem entre aqueles da própria raça! Amigo fiel só um cão!
Num passado mais remoto, mais precisamente nos anos 330 DC, encontramos um perfeito exemplo de amizade verdadeira. Dois amigos, dois santos homens enfrentaram os preconceitos que distorciam o espírito de amizade e a fé que os uniram sempre. Leais e fraternos desde a juventude apoiavam-se mutuamente na amizade que devotavam, a ponto de tudo fazerem para a alegria um do outro. “Ambos lutávamos não para ver quem tirava o primeiro lugar, mas para cedê-lo ao outro. Cada um considerava como própria a glória do outro” (Orátio 130 – S. Basílio e S. Gregório). A única competição entre eles era para fazer a felicidade do outro. Não lhes importavam os louros da vitória, a glória pessoal, a vaidade de uma conquista, desde que tudo isso fosse mérito pessoal de um deles. Tornaram-se os protetores da verdadeira amizade.
Já em nossos dias, um conterrâneo famoso deixou registrado um dos mais belos textos sobre o tema. Vinícius de Moraes, nosso poeta, assim definiu suas amizades: “Eu poderia suportar, embora não sem dor, que tivessem morrido todos os meus amores, mas enlouqueceria se morressem todos os meus amigos! Se um deles morrer, ficarei torto para um lado. Se todos eles morrerem, eu desabo”!
Exageros à parte, a verdade é que não vivemos sem esse relacionamento interpessoal, com o qual nos identificamos ou sobre o qual nos espelhamos. O princípio de uma amizade leal, verdadeira, é o encontro de uma alma gêmea, que se une à nossa, que faz seus os sentimentos da pessoa à qual devotamos nossa vida, confiamos nossas fraquezas ou com quem comungamos nossos sonhos e realizações. É a outra face de nós mesmos.
Amizade assim está isenta de segundas intenções. Quando ela acontece, deixa de ser um sentimento de interesses pessoais para dar lugar à mais autêntica expressão da verdade, sem subterfúgios. Por isso, não se confunde amizade com relacionamento casual, dotado de segundas intenções, atração física ou oportunismo para se conquistar posições, sucesso profissional ou qualquer outra razão que não perfaz o bem comum. Nesta perspectiva, torna-se rara nos dias de hoje a verdadeira amizade, pois quase todas estão contaminadas com o vírus do oportunismo. Quase todas possuem uma carta marcada no jogo de interesses em que se afundam as relações humanas.
Um referencial de peso é a definição mais que perfeita sobre esse sentimento: um tesouro! O mestre de Nazaré gostava de repetir: “Quem encontrou um amigo, encontrou um tesouro”. Na véspera de sua paixão, incluiu o tema em seu discurso de despedida, dizendo: “Vós sois meus amigos… Já não vos chamo de servos, porque o servo não sabe o que faz o seu senhor. Mas chamei-vos amigos, pois vos dei a conhecer tudo quanto ouvi do meu Pai” (Jo 15, 14-15). Em outras palavras, a amizade sincera é a revelação de Deus entre nós. No entanto, uma única declaração de Jesus reforça a santidade e nos prova a lealdade desse sentimento humano, quando casto e sincero aos planos do Pai: “Ninguém (repito: ninguém) tem maior amor do que aquele que dá a vida por seus amigos” (Jo 15,13).
WAGNER PEDRO MENEZES
wagner@meac.com.br