A Verdade tem que ser dita. A novela Araguaia resgata oportunamente parte da triste história desse país. Levada ao ar pela Rede Globo, é uma das raras produções da teledramaturgia brasileira que traz um mínimo de sobriedade, faz justiça e serve até como entretenimento cultural. Pena, pena mesmo que o seu público e audiência maior se percam em função do horário não tão nobre como merecia ser. Nem tudo é perfeito. Ainda mais quando o tema proposto é conflitante e oferece senso crítico a seus telespectadores. Pudera, não é o feitio da casa. Mas convenhamos, já é um grande passo. Além disso, há que se respeitar os interesses de seus patrocinadores, não é mesmo? Então, discutir uma temática que denuncia a negritude de uma página já virada em nossa história, cujos efeitos ainda perduram e maculam a memória de muitos “desaparecidos”, não é lá um assunto que se deva discutir em horário nobre. Para este espaço, o melhor é mesmo a frivolidade das relações incestuosas, amorais, etc. e tal. Pelo menos é essa a conhecida e assumida política da emissora global. Mesmo assim, teimo em afirmar a qualidade do enredo em pauta. O Bico do Papagaio (região da confluência entre os rios Araguaia e Tocantins) continua sendo palco de muitos conflitos sociais e ainda mantêm uma relação equidistante entre Estado e Igreja, classes dominantes e populares, poder da bala e poder da memória libertadora. Muitos tombaram naquelas pragas. Muitos ainda tombarão. O reencontro com o passado recente e o grito silencioso do presente ainda ecoa por lá. Faz jus aos nomes de Pe. Josimo Morais Tavares, de irmã Dorothy Stang e de centenas de brasileiros anônimos que por lá derramaram seu sangue (especialmente os perseguidos pela ditadura militar). Muitos são os nomes dos “desaparecidos da guerrilha”, cujos corpos o sistema político ainda teima em manter na clandestinidade, sem assumir as evidências dos fatos. Afinal, é mais barato custear um mistério do que admitir uma barbárie. Acontece que o rio das Araras Vermelhas (Araguaia) continua seu curso, levando consigo não só as águas mais piscosas do mundo, mas o suor, o sangue, o sonho de seus ribeirinhos. Seus vales, suas terras férteis, a vastidão de suas riquezas naturais alimentam o sonho dos desvalidos que por lá aportam e fincam suas raízes. Mas antes chegou a posse fantasmagórica dos poderosos, com suas escrituras seladas e carimbadas pelo poder do dinheiro. Não do suor. Não do trabalho e do direito aos que da terra tiram sustento. Daí o conflito. Daí o reencontro sempre litigioso entre poderosos e invasores, entre grandes multinacionais da “engorda do rebanho” e aqueles que tão somente querem alimentar o “pequenino rebanho” de suas famílias. Pe. Josimo, o mártir da região – nasceu em Marabá (1953) e foi assassinado em Imperetriz (1986) – ao longo de sua vida assumiu conscientemente a defesa de seu povo. Escreveu um dia: “Se me calar, quem os defenderá? Quem lutará em seu favor? A minha vida nada vale em vista da morte de tantos lavradores assassinados, violentados despejados de suas terras, deixando mulheres e filhos abandonados, sem carinho, sem pão, sem lar”. Já irmã Dorothy, assassinada em 2005 na mesma região, deixou-nos uma afirmativa que só se ouve dos verdadeiros profetas: “Não vou fugir e nem abandonar a luta desses agricultores que estão desprotegidos no meio da floresta. Eles tem o sagrado direito a uma vida melhor numa terra onde possam viver e produzir com dignidade sem devastar”. Araguaia, por tudo isso, pelo seu passado e presente, continua símbolo de uma história real, atual, bem brasileira. Nenhum urubu dos bastidores – os carniceiros do povo – poderá apagá-la e desvirtuá-la, pois a Verdade tem que ser dita. WAGNER PEDRO MENEZES wagner@meac.com.br