Havia prometido a mim mesmo que não mais escreveria sobre catástrofes. E continuo neste propósito. Quando muito, buscarei uma reflexão sob as luzes da história, que sempre nos dão pistas para entender, justificar ou apontar responsáveis sobre esta ou aquela tragédia. A atual perfaz um caminho ironicamente venturoso. Tudo começou quando D. Pedro I, imperador e supremo mandatário de um país de vital importância aos olhos da Coroa e de mundo, fazia seu habitual roteiro em direção às Minas, fonte das quintas e provedora maior do império lusitano. As dinastias de Bragança e Orléans se consolidavam no mundo como as mais abastadas. Para manter esse status o próprio imperador gerenciava a fonte de suas riquezas, o ouro das Minas Gerais. Tais ações se tornaram tão constantes que fizeram surgir um caminho entre o Rio e Ouro Preto, originalmente denominado como Estrada Real ou Caminho do Ouro, como o chamavam os inconfidentes e os escravos que por ali viajavam, sempre carregados com o ouro a sangrar da colônia para o reino. Era o ano de 1822, quando o imperador descobriu uma variante, o caminho do Proença, que o levou à fazenda de um tal padre Correia. Encantado com as belezas do lugar, D. Pedro tratou logo de adquirir uma fazenda vizinha e ali construir um palácio de verão. Assim nasceu Petrópolis, a cidade imperial, refúgio de Pedro. Quase simultaneamente, uma fazenda modelo cuja maior atração era uma cascata onde tropeiros e viajantes refaziam suas forças naquela estrada, também ganhava ares de povoação. Nascia Teresópolis, em homenagem à imperatriz Teresa Cristina. Ali estava o “Dedo de Deus”. Logo mais adiante, um grupo de imigrantes alemães também se encanta com os ares da serra. Estabeleceram-se ao longo do caminho do ouro, a 136 km da Corte, onde fundaram a cidade de Nova Friburgo. Foi a primeira colônia não lusitana neste país avistado por Cabral e propagado por Caminha. Quem caminha sempre alcança. Ou, o caminho se faz caminhando. Assim se delineou a Estrada Real, o Caminho do Ouro que hoje assusta o mundo com seus deslizamentos, inundações e mortandades sem precedentes na nossa história. Onde estaria sua glória, seu encanto, seu magnetismo de graça e bonança que tantas gerações conquistaram? Onde sua realeza? Ou mesmo sua importância no escoamento das riquezas nacionais? Perguntas um tanto quanto vagas no contexto atual, mas cuja história não difere da realidade que leva um povo a ocupar seus espaços neste mundo, sejam estes promissores ou não. O fato é que, na vida, todos nós um dia construímos nossos caminhos dourados, nossos sonhos de ocupações paradisíacas, sejam estas estradas amplas e seguras ou trilhas mal traçadas e sinuosas. O fato é que a tragédia do caminho Real, na história ou na vida pessoal, põe a pique nossas construções sobre a areia de muitas ilusões; muitas ambições não edificadas sobre a rocha da lógica, da ponderação, de um mínimo de respeito ao espaço que ocupamos. O fato é que um dia a casa cai. Das lições de uma tragédia emergem atitudes bem típicas do ser humano, único a se solidarizar com a dor dos semelhantes. Fiquemos, pois, com o lado positivo dessa história, já que na estrada da vida a única bagagem possível, o único ouro que poderemos levar ao Reino, sem riscos dos salteadores do caminho, é o Amor. Só assim o caminho do ouro perfaz o mesmo caminho da Fé. Esta que nos ensina a partilha, a consciência de que nossos tesouros terrenos, nossas posses ao longo do caminho, nossos paraísos particulares não dão garantias de perenidade a nenhum reino humano, a nenhuma herança familiar. Tragédia mesmo são aquelas onde inexiste esperança, solidariedade entre iguais. “Assim acontece com o homem que entesoura para si mesmo e não é rico para Deus” (Lc 12,21). WAGNER PEDRO MENEZES wagner@meac.com.br