Nunca um tema religioso foi tão apropriado para um tempo de agonia e medo quanto o que a Igreja Católica oferece ao povo nesta quaresma negra que estamos vivendo. O tema da CF deste ano veio como prova da unção divina nos momentos críticos da história humana: “Viu, sentiu compaixão e cuidou dele”. Seu lema também é revelador: “Fraternidade e vida, dom e compaixão”. O Brasil – bem como o mundo todo- já chora suas perdas, mas sua Igreja nos lembra o dever da solidariedade, pois que “a vida é essencialmente samaritana”, nos recorda o texto-base dessa campanha.
A citação de Lucas (10, 33-34), quando da narrativa da parábola do bom samaritano, é o mais perfeito exemplo para as situações endêmicas que a estrada da vida nos oferece cotidianamente. O que se dirá em tempos de pandemia, como o que hora vivemos? Alguém tem que encontrar forças para enfrentar o caos. Aqui temos o exemplo vivo e contumaz dos profissionais de saúde que se desdobram com louvor, profissionalismo e muita garra no afã de conter ou ao menos amenizar as dores do povo. Verdadeiros samaritanos. Esses nos ensinam que a compaixão não tem religião, que “as coisas ruins acontecem para a gente aprender”, que a essência da vida é maior e mais imune às ameaças do vírus do egoísmo do que qualquer tentativa contra a vacina da solidariedade. Essa sim, preserva a imunidade do coração humano, aquela que desenvolve sua capacidade de amar. “Senhor, reconstrua nossas vidas”, estava escrito num oratório cristão.
Da minha parte, estou aqui, recluso, longe dos filhos e netos, longe do trabalho que tanto prezo, acompanhado de minha esposa e dos muitos anjos que nos protegem, apenas por questões de ordem sanitária. Gostaria de estar lá, no meio desse povo sofrido, carente mais de amor do que de compaixão. No entanto, amor e compaixão são sinônimos e só agora me dou conta disso. Minha quarentena forçada me ensina a viver uma quaresma diferente, voltada à oração e aos sinais catastróficos que abarrotam os noticiários cotidianos. Será nosso medo maior que nosso instinto de sobrevivência? Seria covardia esse isolamento forçado que nos impuseram e que de bom grado aceitamos? Todos, de certa forma, temos medo de morrer, simplesmente porque nosso amor pela vida é maior. Talvez estejamos à porta de uma revelação grandiosa e da compreensão do que seja a vida em plenitude prometida pelo mestre nazareno: “No mundo haveis de ter aflições. Coragem! Eu venci o mundo” (Jo 16,33).
Essa coragem nos falta. Compreender que aqui estamos de passagem e que aqui exercitamos uma tarefa de aprimoramento, de construção, de busca da perfeição… é entender que a vida, o mundo, toda nossa essência não se resume a um ciclo biológico, mas ultrapassa tudo isso em função de algo maior, mais perfeito, perene, livre de pandemia e endemias circunstanciais. Pudéssemos penetrar nesse mistério! Pudéssemos agora entender o outro lado da nossa razão existencial! Compreenderíamos ser a compaixão algo maior que as dores que hora sentimos, uns pelos outros, pois que compaixão maior do que aquela vinda do Pai que nos criou… Essa nenhum bom samaritano é capaz de entender ou demonstrar em plenitude.
Enquanto isso, tenhamos um mínimo de sensatez. Ou mesmo leveza na alma, no coração. Sem ironias, mas com alegria de uma esperança maior. Para desanuviar, eis que Fonseca, meu guru dos momentos difíceis, me faz mais uma das suas piadinhas… Não foi e nem será nenhuma gripe H1n1 ou Covid 19 que nos destruirá. A destruição já aconteceu com o H2O no dilúvio… Depois dessa, Deus fez Nova Aliança com a Humanidade. Um gesto de compaixão sem limites.
WAGNER PEDRO MENEZES wagner@meac.com.br