Uma declaração do ministro-chefe do STF, Joaquim Barbosa, pôs em alvoroço a corte dos magistrados brasileiros. Segundo ele, muitos juízes se vendem por ninharias e pequenos afagos. Basta um elogio ou um simples e-mail em datas natalícias para se garantir pontos em muitos processos que tramitam na dependência de pareceres sub júdice e de sentenças favoráveis. Simples assim? A revelação não é de todo novidade. Conhecemos bem o jeitinho brasileiro de se fazer justiça. Quando muito, há de se pesar a bolsa e se medir o grau de influência dos réus envolvidos. Essa realidade vem de longe, mas se contrapõe frontalmente com o conceito de justiça isenta, imparcial, cega por definição, que deveria permear as decisões de qualquer tribunal humano. O problema é exatamente esse: é humano. Numa semana em que nos propomos a refletir sobre o maior erro judiciário da história, salta-nos aos olhos o silêncio e a entrega submissa de Cristo à justiça dos homens. Naquele tribunal constituído às pressas e cercado de improvisos – (eis que a festa lembrando a liberdade de um povo já corria solta) – o jogo de interesses prevaleceu sobre a serenidade e a sobriedade que se exigem de qualquer ato de justiça. Para não estragar a festa matamos Deus. Para esquecer a escravidão e as humilhações do passado, aceleramos a morte da liberdade e ultrajamos o rosto de Cristo com um beijo a troco de trinta moedas. Com elas se poderia comprar um escravo. Com elas Judas comprou a própria morte e nos deixou, como herança, um cemitério novo. No processo contra Cristo, o clima de discórdia entre seus juízes era mais que evidente. Naquele jogo de empurra, todavia, acontece o inesperado: “Naquele mesmo dia, Pilatos e Herodes fizeram as pazes, pois ambos eram inimigos um do outro” (Lc 23, 12). Qual razão evidente forçou a conciliação entre eles? A mesma que ainda corrói e desvirtua muitos dos tribunais modernos. Acima da isenção de ânimos que deveria conduzir uma sentença de vida ou morte ou fazer prevalecer a justiça pura e simples, estava – como sempre – o jogo de interesses pessoais e partidários e, principalmente, a manutenção dos poderes. Eis a que chega a ferrenha luta de supremacia do indivíduo sobre o coletivo, da autoridade sem um mínimo de respeito à verdade que o conduziu ao poder. Ou seja, “nenhum poder lhe seria dado, se não viesse do alto”, diria Jesus ao seu Juiz, Pilatos. É exatamente nesse detalhe que a justiça dos homens se perde. Quanto mais nos afastamos dos ensinamentos da Verdade, – sejam eles ensinamentos cristãos ou simplesmente morais e filosóficos, como muitos querem – a justiça que praticamos deixa de ser isenta e perfeita. Mais ainda quando nossos juízes se vendem por quinquilharias. Mais ainda quando nossa referência de comportamento se baseia no conceito mundano de muitas relações humanas, nascidas e alicerçadas no jogo de interesses pessoais. Amigo, amigo mesmo, poucos o tem. Pois que enquanto uma sociedade se deixar construir por conluios políticos, partidários, empresariais ou pessoais, nunca, nunca mesmo saberemos definir com precisão quais, dentre muitos, são verdadeiramente amigos desinteressados. Amizade, por conluio, só entre bandidos. Enquanto isso, a paixão e morte do maior injustiçado humano deixa seu rastro de luz: “Vós sois meus amigos”. Nenhum outro Juiz poderia proclamar essa verdade com maior autenticidade do que Ele, o rejeitado de todos, que nenhum afago recebeu senão a sentença da cruz, do abandono, da incompreensão. Ele que nos libertou da escravidão das trevas e aceitou sobre si a injustiça dos homens. E nos consolou com uma promessa: “Já não vos chamo servos, porque o servo não sabe o que faz seu senhor. Mas chamei-vos amigos, pois dei a conhecer tudo quanto ouvi de meu Pai”. (Jo 15, 15). Justiça seja feita: se nesse processo houve algum conluio, foi por amor, não por interesse humano. WAGNER PEDRO MENEZES wagner@meac.com.br