Um capítulo à parte na encíclica Laudato Si, do papa Francisco, merece considerações especiais. Trata-se da influência que o trabalho humano exerce sobre a questão ambiental. A verdade é que, por definição, o ser humano está inserido na obra criadora de Deus e, por conseguinte, dá continuidade ao seu projeto. Como tal, o ser humano com seu trabalho transformador, é co-criador junto ao Pai. Esse deveria ser o primeiro sentido do nosso trabalho. Se tomássemos consciência da importância e profundidade dessa afirmativa, o mundo do trabalho seria outro, mais prazeroso, dignificante, compensador, salutar e muito mais. Não se separa a relação humana com seu mundo da identidade criadora e transformadora inerente a todos nós; bem ou mal, interferimos no mundo que ocupamos. Resta mensurar o quanto essa interferência é positiva ou negativa. “Em qualquer abordagem da ecologia integral que não exclua o ser humano, é indispensável incluir o valor do trabalho” (124). Faz parte da existência e mesmo da sobrevivência humana. “Na realidade, a intervenção humana que favorece o desenvolvimento prudente da criação é a forma mais adequada de cuidar dela, porque implica colocar-se como instrumento de Deus para ajudar a fazer desabrochar as potencialidades que Ele mesmo inseriu nas coisas” (ibd 124). O jogo é esse, decifrar os enigmas de Deus. O trabalho e suas descobertas, pesquisas ou ações transformadoras nos dão essa possibilidade. “Qualquer forma de trabalho pressupõe uma concepção sobre a relação que o ser humano pode ou deve estabelecer com o outro diverso de si mesmo” (125). Por isso o trabalho santifica. Torna-se uma via de revelações e crescimento pessoal “onde estão em jogo muitas dimensões da vida: a criatividade, a projeção do futuro, o desenvolvimento das capacidades, a exercitação dos valores, a comunicação com os outros, uma atitude de adoração” (127). Será que no mundo conturbado e competitivo em que vivemos somos capazes de identificar tudo isso no nosso próprio trabalho? Ou é ele um instrumento de opressão, de frustrações, de mágoas e ressentimentos? “O trabalho faz parte do sentido da vida nesta terra, é caminho de maturação, desenvolvimento humano e realização pessoal” (128). Quem faz da vida profissional um baú de insatisfações está na profissão errada. Quem trabalha apenas pelo resultado financeiro, especialmente quando este jorra com facilidade, ao custo do insucesso alheio, da ganância e da exploração, em nada contribui na Obra Criadora, pois cava sua própria sepultura. O trabalho faz crescer também o operário. “O verdadeiro objetivo deveria ser sempre consentir-lhes uma vida digna através do trabalho”. (128). Aqui entra a questão chave. Um meio produtivo que agride o ambiente e não qualifica o operário ou traz em seu bojo o lastro da competitividade e do extrativismo sem critérios tornou-se ameaça à vida, ao planeta. “As economias de larga escala, especialmente no setor agrícola, acabam por forçar os pequenos agricultores a vender as suas terras ou a abandonar as suas culturas tradicionais” (129). O êxodo rural tornou-se uma faca de dois gumes a ferir a harmonia social, incentivando o latifúndio e engordando as periferias urbanas. A produtividade e a máquina ceifaram a mão de obra de muitos. Urge agora buscar um contraponto, equilibrar a balança. “A atividade empresarial, que é uma nobre vocação orientada para produzir riqueza e melhorar o mundo para todos, pode ser uma maneira fecunda de promover a região onde instala os seus empreendimentos” (129), sugere o papa. Pois o trabalho humano deve ser justo e santo, oferecendo oportunidades iguais para todos. Deve também ser uma genuína forma de oração e gratidão Àquele que nos dá oportunidades de continuar sua Obra com nossas próprias mãos. Portanto, como ensinava São Bento, “Ora et labora”. WAGNER PEDRO MENEZES wagner@meac.com.br