Vestindo uma camisa do time do Atlético Nacional de Medellín, o prefeito Luciano Buligon, de Chapecó, durante a cerimonia às vítimas do acidente aéreo que matou 71 pessoas – dentre elas a quase totalidade dos jogadores, dirigentes e técnicos do Chapecoense – iniciou seu discurso com uma frase, no mínimo, questionadora: “Deus também tem o direito de chorar… Por isso chove tanto na Arena Condá”. De fato, a torrencial chuva que caia durante aquela cerimonia era como lágrimas, sim. Dos milhares de torcedores, dos milhões de admiradores, da solidariedade humana, da compaixão de Deus…
Imaginar assim a sensibilidade divina, capaz de vir às lágrimas diante das tragédias humanas, é abrir-se em definitivo para sua misericórdia, que não deseja nenhum sofrimento às suas criaturas, mas respeita suas opções, mesmo que estas resultem numa queda livre, num desastre irreversível, pois que a autonomia do voo humano é proporcional às reservas que abastecem sua capacidade e liberdade de ação. Complexo isso? Simplifico: Deus respeita nossas opções. Nos dá o livre arbítrio, mas não deixa de nos apontar o melhor caminho. Quando nos desviamos deste ou ignoramos seus sinais de advertência, o colapso da escolha mal feita nos põe no chão, nos massacra, invalida nossos sonhos de vitórias terrenas. Apresenta-nos a morte como a maior das derrotas – o que na realidade espiritual é uma porta de transposição – mesmo quando esta se dá de forma trágica. Com certeza, qualquer tragédia ou fatalidade contra uma vida não está nos planos de Deus, é uma interrupção destes em nossas vidas. Por isso Deus também chora.
Deus chora e se solidariza com nossas desgraças porque não as desejou na história de vida que escreveu para cada um dos seus filhos. Foi o homem que voou mais longe que seus limites, que desdenhou dos perigos à sua frente, que arriscou mais do que devia, que pensou mais no bolso do que nas reservas morais, mais no lucro que “no tempo de colher e de plantar”, mais no risco do ganho fácil do que nas etapas de um caminho mais lento… Do homem que ignorou seus limites, que ironizou normas e condutas de um caminho seguro. Não acuso este ou aquele, mas à nossa prepotência de acharmos que nossas vidas nos pertencem e por isso fazemos dela o que melhor nos convêm e ignoramos os perigos de um desastre inesperado. É assim que interrompemos os planos de Deus em nossas vidas.
Mas a fatalidade também nos sensibiliza. Desperta-nos para a fraternidade, a solidariedade. Dá-nos um coração tão sensível quanto o de Deus. Eis porque Deus também tem o direito de chorar. Quando fatos como os aqui reportados mexem com a sensibilidade coletiva é Deus que se une às nossas dores e sofrimentos. Ele não criou a morte, nem a dor, nem o sofrimento. Tudo isso é fruto de nossas limitações físicas. Ao contrário, o que nos aguarda além dessa triste realidade é mais que a vitória em um campeonato internacional. Fala mais alto do que aquela voz que clamava e ainda clama no deserto de nossas desilusões. “Convertei-vos, pois o reino dos céus está próximo”. A dor nos aproxima de Deus. A sensibilidade que nos emociona e toca o coração de muitos diante de uma tragédia, faz-nos próximos de um reino encantado, revela a muitos a serenidade onde Deus faz morada, o seu reino – que também pode ser o nosso – e, surpreendentemente, nos mostra um Deus que também se debulha em lágrimas diante de nossas incertezas e tribulações mundanas. “Coragem, filhos, eu venci o mundo”. Ouçamos sua voz. Ouçamos a voz profética do homem que batizava com água e agora nos aponta outro homem, mais forte, porém não menos sensível. Um cordeiro, sim, que nunca escondeu suas lágrimas, que chorou a morte do amigo Lázaro, que contemplou Jerusalém e chorou sobre ela antevendo suas dores, mas que consolou às mulheres em sua via dolorosa: “Não choreis por mim, mas por vossos filhos”. Agora é seu Espírito quem nos consola.
WAGNER PEDRO MENEZES wagner@meac.com.br