DOIS DONS E UM SERVIÇO

 

Nesta semana, a quarta feira (14-12-16) me surpreendeu com duas notícias particularmente especiais. Uma boa e outra ruim. No entanto, ambas possuíam um denominador comum, pois se tratava de dons especiais a serviço do reino. Dois dons postos serviço. Explico melhor: quando o assunto é o Reino de Deus, o serviço se apresenta contínuo, apesar dos poucos operários realmente dispostos a lhe dar continuidade. Porém, de uma forma ou de outra, eis que o reino acontece na dedicação de poucos e no clamor da multidão que anseia por ele no agora de suas realidades.

Começamos pela notícia boa. Depois de um ano vacante de um bispo, a Diocese de Assis (minha pequena e singela referência de identidade religiosa) é presenteada com a indicação de um novo bispo. Trata-se de d. Argemiro Azevedo, até então vigário numa paróquia de Araçatuba, pequena cidade do interior paulista. Esse ano nos fez experimentar o quão difícil é um rebanho sem pastor. E pensar em quantas outras dioceses estão rezando para obterem esse privilégio de se deixarem guiar à sombra de um cajado episcopal. E orar: envia, Senhor, operários…

Mas a segunda notícia se opõe a esta, pois anuncia a morte de um pastor. D. Paulo Evaristo Arns, 95, arcebispo emérito da cidade de São Paulo, deixa uma vazio no coração de muitos, em especial daqueles que o conheceram em sua simplicidade e profundidade. De gestos, de prática, de ensinamentos e admoestações. Sinceridade e coerência em tudo; é o que podemos dizer de sua primorosa biografia. Como profeta dos nossos tempos, não agradou a muitos. Nem poderia, pois se assim o fizesse deixaria de lado seu profetismo e as razões de sua fé.

Sua obra não se resume às trincheiras do autoritarismo e das injustiças sociais que bem combateu. Deixou-nos igualmente uma vasta literatura onde seu pensamento cristão flui como chuva de bênçãos de uma alma sensível à vontade e aos planos de Deus. Sobre seu próprio ministério, escreveu em “Cidade, abre as tuas portas”: “O Bispo é Mestre. De vida e de fé. Deixando passar por sua própria existência a mensagem de Cristo, deve tornar-se mensageiro em todos os ambientes, e das formas mais diversas. Sua missão primeira é anunciar. Não a si, mas ao Cristo. Aquilo que recebeu da parte do Evangelho e aquilo que Deus lhes propõe como sentido de existência. Uma vez Pastor; outra vez, Profeta”.

Esses dois dons qualificam qualquer ministério. Em especial dentro de uma vivência de comunidade de irmãos. D. Paulo nos ensinou tudo isso com sua história de vida. Agradou a muitos, desagradou a outros. Mas a todos deu a oportunidade de conciliação, mudanças de rumo. Deixou bem clara a mensagem de que nenhuma derrota é definitiva e quando não se vislumbra uma vitória de imediato ou esta custe o sacrifício de muitos é porque a história que escrevemos (com a vida ou a memória) ainda está em andamento. Um dia chegará ao fim. Aos que lutam com um ideal de justiça, de amor, de princípios éticos ou morais, deixou como prova sua própria história. Foi um vencedor.

Enfim, tive a alegria de ser recebido por ele em seu gabinete. Como membro de um grupo de leigos missionários, por força de uma situação que nos forçava a desistência, chamou-nos para uma conversa. Fomos recebidos de forma carinhosa e paternal, com palavras de ânimo que lhes eram próprias: “Coragem, a história de vocês já é maior que suas inseguranças. Não desistam, vão em frente”…

D. Paulo se vai. D. Argemiro chega. Ficamos nós. E o serviço ainda é grande… Não vamos desistir.

 

WAGNER PEDRO MENEZES wagner@meac.com.br

Compartilhar: