Não é preciso dizer que estamos vivendo dias de pânico. A cada dia, em cada esquina, a cada passo dado, recebo e vejo notícias negativas. De repente, a normalidade serena de uma vida de progresso e bem estar afundou num caos profundo. Já não vejo o outro com os olhos da alegria de um encontro, mas com a cautela necessária do distanciamento e mesmo da desconfiança. O ombro amigo não mais existe ou, se existe, não posso usá-lo. O abraço, o afago, o carinho… Casais enamorados criam novos gestuais e etiquetas mais apropriadas para declarações de amor. As máscaras dificultam o “eu te amo”. O beijo desperta preocupações posteriores; perdeu-se a naturalidade de um sentimento puro, autêntico, santificador. De repente, já não mais nos conhecemos!
Seria isso, realmente? Ou estamos apenas vivendo um momento de purificação, de alerta, de redescobrimento dos valores que sepultamos com nossa prepotência, nossa indiferença espiritual? Eis que não mais nos parecemos como criaturas divinas, mas filhos da sabedoria estritamente humana. A lógica terrena parece maior do que os mistérios celestes. Então Jesus, Ele mesmo, faz-nos a pergunta e dá-nos uma resposta: “Com quem eu vou comparar os homens desta geração? Com quem se parecem eles? São como crianças que se sentam nas praças e se dirigem aos colegas, dizendo: ‘Tocamos flauta e vocês não dançaram; cantamos música, e vocês não choraram’ (Lc 7,31-32)”. É ou não um retrato perfeito do comportamento infantil que estamos presenciando nesses dias pandêmicos?
Estamos nos comportando como crianças. Algumas, indiferentes ao sofrimento, caos e perigos de contágios ou às muitas mortes que rondam suas vidas, ainda cantam e dançam em suas praças, bares e clubes da vida, como se nada disso estivesse acontecendo. Enquanto outros choram perdas e danos irreversíveis, a ironia e indiferença persiste entre grande maioria. Isso não é lá comigo! Não pertenço ao grupo de risco! Não mesmo?… Nesse barco, afundaremos juntos, se prevenções e precauções não forem melhor repensadas, reprogramadas. Uma geração levada a provar seus limites e testar sua força de vontade ou mesmo sua imunidade espiritual – no caso a graça da fé e do amor ao próximo – não pode se comportar de forma tão negligente. A fé é nosso maior tesouro, mesmo quando ainda latente em nossa infantilidade espiritual, pois que dela provêm toda força necessária para transpormos qualquer montanha. Mesmo que a realidade nos mostre o contrário. Ter fé, neste momento, é agarrar-se com força e coragem ao salva-vidas lançado pelo Senhor de tudo, aquele que nos vê como sua imagem e semelhança.
Neste momento, não sejamos uma geração café com leite, que se contenta com pouco, com seu sincretismo, com sua mistura de sentimentos e religiosidade barata, sem raízes de autenticidade. A fé pura e genuína remove barreiras, vence montanhas! A fé infantil não vai além da dança e da música; enquanto o barco afunda, a orquestra toca. A história se repete: “Nem Deus afunda esse navio”! Não mesmo? É bom não pagar pra ver.
Vigiai e orai, nos diz o Mestre. Porque, assim como as autoridades religiosas do tempo de Jesus se comportaram de maneira infantil, indiferentes ao momento que viviam, assim também muitos dos que se dizem cristãos, nos dias de hoje, se comportam. Nossa infantilidade não está apenas na indiferença, mas na negligência de ações. Ações que nos conduzem, obrigatoriamente, à oração, a vigília constante. Não é momento de silêncio, de omissão. Conclamemos nosso povo a vigiar mais, orar mais…
WAGNER PEDRO MENEZES
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