A melhor política é aquela que ainda considera o governo do povo como o mais sagrado dos poderes. É essa a tônica central do quinto capítulo de “Todos irmãos”, a tradução mais aproximada do título da última encíclica papal. ‘Mas hoje, infelizmente, muitas vezes a política assume formas que dificultam o caminho para um mundo diferente (154)”. Como seria, então, a política ideal sonhada e sugerida pelo Papa?
Primeiramente, cuidado com o populismo e ou liberalismo em excesso. Tais termos “invadiram os meios de comunicação e a linguagem geral, perdendo assim o valor que poderiam conter (156)”, a ponto de tornar impossível a opinião de um político qualquer “sem tentarem classifica-lo num desses polos: umas vezes para o desacreditar injustamente, outras para o exaltar desmedidamente (156)”. Praticamos uma política binária, deixando de lado a amplitude da democracia autêntica, “cujo significado é precisamente ‘governo do povo’ (157)”, isto é, não se restringe a uma polarização simplista e extremista diante de uma diversidade de direitos e deveres infindos. “Pertencer a um povo é fazer parte duma identidade comum, formada por vínculos sociais e culturais (158)”. “Mas degenera num populismo insano, quando se transforma na habilidade de alguém atrair consensos a fim de instrumentalizar politicamente a cultura do povo (159)”. Conhecemos, e bem, esse oportunismo partidário que corrói vínculos sociais e destrói cultura e tradição de nações inteiras. “Os grupos populistas fechados deformam a palavra povo, porque aquilo de que falam não é um verdadeiro povo (160)”.
O que aqui se ventila é a exploração política no mundo do trabalho. O verdadeiro populismo vai além da questão trabalhista, pois vê no caráter operacional do ser humano uma graça criadora em função da sobrevivência, do bem estar, da realização pessoal. “Por mais que mudem os sistemas de produção, a política não pode renunciar ao objetivo de conseguir que a organização duma sociedade assegure a cada pessoa uma maneira de contribuir com as suas capacidades e o seu esforço (162)”. A vida de labor é um ato de louvor a Deus que “colocou em cada um, as suas capacidades, a sua iniciativa e o seu esforço”, para a construção de um mundo melhor. Não há espaço para instrumentalização desse dom divino. “Naturalmente isto implica que não exista apenas uma possível saída, uma única metodologia aceitável, uma receita econômica aplicável igualmente por todos, e pressupõe que mesmo a ciência mais rigorosa possa propor recursos diferentes (165)”. Cada caso, seu caso. Cada povo, sua história. Cada qual na sua caminhada.
É fato que o poder internacional hoje dita normas, em especial no mundo financeiro. ‘Parece que as reais estratégias, posteriormente desenvolvidas no mundo, se têm orientado para maior individualismo, menor integração, maior liberdade para os que são verdadeiramente poderosos…(170)” Esses se acham donos do mundo. Iludem-se no autoritarismo que praticam. Falam até na criação de uma autoridade mundial, quando por primeiro deveriam fortalecer e legitimar a autoridade pessoal. Antes, deveriam “prever pelo menos a criação de organizações mundiais mais eficazes, dotadas de autoridade para assegurar o bem comum (172)”.Nesta linha “a ação das comunidades e organizações de nível menor… realizam esforços admiráveis com o pensamento no bem comum, e alguns dos seus membros chegam a cumprir gestos verdadeiramente heróicos que mostram de quanta bondade ainda é capaz a nossa humanidade (175)”.
Como vemos, a política é necessária. Mas Papa Francisco insiste num ponto: “a política não deve submeter-se à economia e esta não deve submeter-se aos ditames e ao paradigma eficientista da tecnocracia (177)”. A questão é tão vasta que merece uma lauda mais em nossos comentários. Não encerra o quinto capítulo, mas o deixa em suspenso para uma questão a mais: é possível o amor político? Aguardem… Descobriremos juntos.
WAGNER PEDRO MENEZES
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