INIMIGOS DA VIDA CRISTÃ

O segundo capítulo da exortação apostólica “Alegrai-vos e exultai”, surpreendente apelo que o Papa Francisco faz ao mundo, convida o homem moderno a viver uma vida santa. Aponta os principais inimigos desse desafio inusitado. Nem oito, nem oitenta, diria em outras palavras. A santidade não necessita de extremos, que nas palavras do papa seriam o gnosticismo (o fanatismo religioso) e o pelagianismo (doutrina que nega o pecado). As duas situações pecam pela cegueira de uma fé sem fundamentos. Perdem-se na defesa de teorias radicais, que não lhes permitem a visão e compreensão da misericórdia divina. O amor não é, nunca foi e nunca poderá ser um sentimento de intolerância ou atitudes radicais. Assim também a vida de fé.

Denunciando o perigo do fanatismo, Francisco denuncia muitos dos crentes como pessoas que cobram mais dos outros do que de si próprias. Diz: “aquilo que mede a perfeição das pessoas é o seu grau de caridade, e não a quantidade de dados e conhecimentos que possam acumular” E sentencia: Os gnósticos, baralhados neste ponto, julgam os outros segundo conseguem, ou não, compreender a profundidade de certas doutrinas” (37), para então concluir com pesar: “preferem um Deus sem Cristo, um Cristo sem Igreja, uma Igreja sem povo”. Tristes estes. Não entram, nem desocupam a porta do redil. “Uma coisa é o uso saudável e humilde da razão para refletir sobre o ensinamento teológico e moral do Evangelho, outra é pretender reduzir o ensinamento de Jesus a uma lógica fria e dura que procura dominar tudo” (39). Ter uma fé que se basta, que não enxerga na tênue esperança do outro a mesma busca dessa luz que não se apaga, dessa água que sedenta a todos, dessa farinha que não mais se acaba, ora, ter essa fé bitolada no egoísmo do deus que se basta em si próprio, que não se derrama na pequenez do outro…. isso não é de Deus!

“Deus supera-nos infinitamente, é sempre uma surpresa e não somos nós que determinamos a circunstância histórica em que O encontramos (41), nem se pode pretender definir onde Deus não Se encontra, porque Eles está misteriosamente presente na vida de toda a pessoa, na vida de cada um como Ele quer, e não podemos negar com as nossas supostas certezas” (42). Eis o fanatismo: “julgar que, por sabermos algo ou podermos explica-lo com uma
certa lógica, já somos santos, perfeitos, melhores do que a massa ignorante” (45).

Por outro lado, o excesso de conhecimento dos que vão com muita sede ao pote dos mistérios que nos cercam, aluvia a fé, ofusca sua razão e põe em dúvidas a existência divina. Mas há um retorno sempre. “Com o passar do tempo, muitos começaram a reconhecer que não é o conhecimento que nos torna melhores ou santos, mas a vida que levamos” (47). Entre a fé pura e simples e a razão de seus conhecimentos, perdem-se na tolerância de justificativas para tudo, até para os próprios pecados. “Pretende-se ignorar que nem todos podem tudo e que, nesta vida, as fragilidades humanas não são curadas, completamente e duma vez por todas, pela graça” (49). Quem ignora suas fraquezas, ignora ou dispensa a ação da graça, o perdão. “A graça, precisamente porque supõe a nossa natureza, não nos faz improvisadamente super-homens” (50). Sem a humildade de reconhecer nossos limites a fé deixa de ter razão. “A Igreja ensinou repetidamente que não somos justificados pelas nossas obras ou pelos nossos esforços, mas pela graça do Senhor que toma a iniciativa” (52) “Também o Catecismo da Igreja Católica nos lembra que o dom da graça ultrapassa as capacidades da inteligência e as forças da vontade humana” (54).

Nem sete, nem setenta. Mas setenta vezes sete. Eis a fórmula: o perdão acima de tudo. Neste capítulo, Francisco nos diz que os maiores inimigos da nossa santificação não são fatores externos, mas nós mesmos. “Por isso, exorto cada um a questionar-se e a discernir diante de Deus a maneira como possam estar a manifestar-se na sua vida” (62) esses inimigos da vida cristã.

WAGNER PEDRO MENEZES
wagner@meac.com.br

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