“JESUS RESSUSCITADO EXERCE O OFÍCIO DE CONSOLADOR” “Jesus entrou e, pondo-se no meio deles, disse: a paz esteja convosco” (Jo 20,19) “Olhar o ofício de consolar que Cristo nosso Senhor exerce”(S. Inácio). Consolar é o que define a ação do Ressuscitado transformando a situação dos seus discípulos: a tristeza se converte numa alegria contagiosa, o medo em valentia e audácia, a negação de Cristo em profissão de fé e martírio… Não se trata de um ato pontual senão de um “ofício” que definirá para sempre a atividade de seu Espírito no mundo. Nos relatos das aparições de Jesus Ressuscitado, esta experiência de ficar consolado aparece muito evidente, porque se passa da angústia do túmulo vazio à consolação na presença d’Aquele que vive; é a passagem da ausência desconcertante à presença significativa. O Ressuscitado se aproxima como Presença viva que dá Vida: deixa-se ver, caminha, fala, interpela, corrige, anima, comunica paz e alegria. Em uma palavra, presenteia seu Espírito. Sua maneira de fazer-se presente é pessoal, personalizante, identificadora: de nome a nome, suscitando recordações e experiência comuns, fazendo vislumbrar projetos de futuro. Outra vez Jesus re-cria a comunidade que depois da Paixão estava se desintegrando; e seus discípulos experimentam novamente o chamado e o envio, a serem testemunhas e cúmplices do Espírito, porque vivem a certeza existencial de que o Crucificado é o Ressuscitado, que a morte foi vencida, que Deus está constituído como Senhor. Em meio à dor, os discípulos aprendem a confiar em Deus e a não deixar-se levar pela tristeza. A alegria não começa quando acabam as dores; a alegria é uma opção de vida, expressão da confiança em Deus, que faz possível enfrentar o sofrimento com esperança. A alegria não suprime o sofrimento, mas lhe dá sentido. A alegria não desconhece o sofrimento, senão que o enfrenta com confiança. Nas cenas evangélicas das aparições, o efeito da presença do Ressuscitado sobre os discípulos termina sempre em reconhecimento, chamado e envio, em restauração de uma vocação e missão. Jesus ressuscitado exerce sobre eles um específico “ofício de consolar”, cujo efeito é iluminar o cami-nho pelo qual, em seu nome e com Ele, eles hão de percorrer. O “ofício de consolar” é a marca do Ressuscitado, é força re-criadora e reconstrutora de vidas despedaçadas. Jesus “ressuscita” cada um dos seus amigos, ativando neles o sentido da vida, reconstruindo os laços comunitários rompidos, e sobretudo, oferendo solo firme a quem estava sem chão, sem direção… O “ofício de consolar” de Jesus é personalizador: com Madalena, a conversa é mais afetiva; com os discípulos de Emaús, a conversa é mais teológica; com os discípulos à beira-mar, sua conversa é de pescador. O verbo “consolar” tem, no hebraico, um sentido mais amplo e forte que em português, porque, mais que animar a alguém abatido, expressa a ação eficaz de conseguir com que desapareçam os motivos de seu abatimento. Neste sentido, consolar não é tão somente acompanhar senão também inclui a ação de dar esperança, uma esperança fundada, capaz de produzir uma mudança radical no estado de ânimo do outro. Em nosso uso habitual, a palavra “consolação” e o verbo “consolar” apontam para um profundo e rico significado: revelam um tipo de proximidade e comunhão com o outro capaz de transmitir-lhe compreen-são, alento, acolhida, impulso… ou seja, uma transmissão de energia que desperte nele suas próprias capacidades de reação diante de uma situação de tristeza, de fracasso, de desespero ou sofrimento… Consolação e consolar são a linguagem e ação de Deus no ser humano, comunicação do Criador com a criatura, iniciativa de Deus que, quando é recebida como dom gratuito e como escuta disponível, nunca deixa a pessoa consolada no mesmo lugar ou situação onde estava antes. A consolação de Deus é sempre dinamizadora daquilo que é divino no ser humano. Por ser manifestação da comunicação do Espírito de Deus ao espírito humano, gera sempre na pessoa, amor, alegria, fé, entusiasmo…, e termina sempre em missão. Deus nos consola para que possamos consolar. Na consolação, Deus nos chama a ser seus colaboradores. A consolação que recebemos do Senhor não nos é dada tendo em vista um desfrute narcisista e fechadodeste dom espiritual, mas tem a finalidade de capacitar-nos para o “ministério da consolação”. É um dom para a missão; se não se exerce, ou seja, se alguém se apropria dela como coisa pessoal, morre. Dessa consolação de Deus, da qual nós mesmos e nosso mundo tanto necessitamos, somos chamados a fazer-nos receptores e mediadores. Trata-se de uma consolação que é pura graça, que não está ao alcance de nossa mão dá-la a nós mesmos, nem dá-la aos outros, mas da qual podemos ser agradecidamentereceptores e gratuitamente mediadores. Com isso, a consolação pode estender-se a outros muitos rincões da existência humana. É tempo de auto-compreender-nos e atuar frente aos outros como enviados a exercer ativamente o “ofício de consolar”, tendo sempre presente que a consolação verdadeira pertence somente ao Espírito, já que não é outra coisa que a gratuita auto-comunicação do Deus trinitário à humanidade. É Ele mesmo quem deseja compartilhar conosco este ofício, o ofício de consolar. Em 2Cor. 1,3-7S. Paulo fala da consolação de Deus como dom para uma missão. Somos pois consola-dos em nossas tribulações para poder consolar os outros nas suas. Trata-se de uma experiência transbor-dante, expansiva, que nos impulsiona em direção aos outros. O consolo que recebemos está destinado a transbordar-se para os outros em forma de comunicação de alegria intensa e de gratidão. A gratuidade é o habitat natural da consolação e do consolado. Todos somos chamados a exercer este “ofício de consolar” de Jesus; a experiência da Ressurreição nos move a “descer” junto à realidade do outro (seus dramas, fracassos, perda de sentido da vida…) e exercer este ministério humanizador, ou seja, ministério entre iguais, “vida que desperta outra vida”. É vida plenificada, iluminada, integrada… pela experiência de encontro com o Ressuscitado e que flui em direção à vida bloqueada, necrosada… ativando-a, despertando-a… É movimento expansivo da vida. Assim como a consolaçãoé o canal privilegiado pelo qual Deus se comunica e atua em nós, o ofício doconsolo” é o canal por onde flui a vida: acompanhar os solitários, tecer relações de fraternidade, “estender pontes”, oferecer solo firme… “Ofício” vem de “oficina”: lugar da criatividade, do novo, do surpreendente… e não da repetição mecânica. Por isso, não há um molde para consolar a todos igualmente. Há profissionais onde este ofício é mais fácil: terapeuta, educador, assistente social, médico, acompa-nhantes espirituais, sacerdotes… Mas todos somos chamados a viver este ofício, não como evento, mas como hábito permanente de vida. É por onde flui a Ressurreição. Texto bíblico:Jo 20,19-31 Na oração: recorde situações onde você foi o mediador da consolação de Deus. Pe. Adroaldo Palaoro, SJ (Companhia de Jesus)