Todas as religiões conhecidas da humanidade falam da morte como um momento único, especial, de dor e sofrimento físico, mas também de descanso e justificação eterna. Algumas a comparam até mesmo a uma ampla sala de espera, para um eventual retorno à vida. Mas somente o cristianismo – aquele da tradição apostólica – nos fala da ressurreição como uma certeza tão real quanto à própria morte. A oração do creio, conhecida em duas versões no seio do catolicismo, é no fundo um juramento solene que se faz diante de Deus e do seu altar. Também conhecida como Profissão de Fé, esta oração traz em seu bojo os principais mistérios da fé cristã, dentre eles a ressurreição. A tradição niceno-constantinopolitana diz textualmente: “Espero a ressurreição dos mortos e a vida do mundo que há de vir!”. Já a versão tradicional diz: “Creio… na ressurreição da carne, na vida eterna”. Percebeu alguma diferença? Sutil, mas curiosa: ressurreição dos mortos ou da carne; vida do mundo ou eterna? Não vamos aqui fazer uma simplória contraposição entre duas tradições sem uma fundamentação bem lúcida a respeito. O fato é que a verdade humana está mergulhada neste mistério de corpo e alma e sua compreensão só é possível à luz da ressurreição de Cristo. Vã nossa fé sem essa luz! O corpo ressurreto de Cristo era glorioso. Tinha a capacidade de entrar sem bater, sem mesmo abrir as portas. Nenhum obstáculo, nenhuma pedra de tropeço, nenhuma blindagem impedia sua locomoção. Era carne ressurgida dos mortos. Era fibra que venceu a podridão. Um morto que renegou a morte… Portanto, cremos na ressurreição dos mortos – aqueles que voltaram ao pó da matéria; mas cremos também na ressurreição da carne – aquela que reveste a insignificância da nossa individualidade. Para tanto, só o mistério da vida pode dar sustentação a tão fantástica pretensão de fé: como a ave mitológica, uma Fênix mais gloriosa, a alma e a essência humana um dia ressurgirão das cinzas dessa odisséia terrena, finita, mas que viaja no Infinito dos mistérios de Deus! O corpo ressurreto de Cristo tinha fome. Nenhum espírito puro e simples necessita de alimento. Liberto das cadeias biológicas, o ser de luz que podemos imaginar como sendo nossa alma, dispensa as carências do corpo. Foram companheiros inseparáveis enquanto humanos; prisioneiros à realidade da matéria. Cristo em seu aspecto de “filho do homem” foi um de nós, tinha as mesmas carências que temos, diria até instintos e necessidades biológicas… No entanto, após sua ressurreição, disse aos discípulos que ainda tinha fome, que queria comer com eles! Daí concluirmos que o Cristo ressuscitado não era uma alma penada, um fantasma a vagar pelo mundo, mas alguém como nós, porém em um estágio glorioso, transformado. Dele dizemos: venceu a morte, ressuscitou! Nossa aspiração é a mesma. “A vida do mundo que há de vir” tem que ser melhor do que a que hoje estamos vivendo, tem que ser mais harmoniosa, translúcida e especialmente com a mesma “glória” que o Pai já deu a seu Filho Unigênito (a glória que Tu me destes). Prepotência ou constatação de uma Promessa? Um direito de Eternidade… Isso é ao que nos leva a Fé Cristã, através da maravilhosa história da Vida, Paixão e Morte de Jesus, o único filho para quem a morte nada representou, mas cuja ressurreição abalou e ainda abala as estruturas dominantes e os portadores de toda pretensa sabedoria humana. “Verdadeiramente, esse homem era Filho de Deus! – exclamou um representante dos incrédulos, diante de sua morte. Mas os representantes dos que dizem acreditar na ressurreição ainda titubeiam. Então, Aquele que claramente nos falou da possibilidade de uma Vida Eterna, que nos mostrou novos caminhos e apontou os desafios, ainda se apresenta com as marcas do seu martírio: “Põe tua mão no meu lado. Não sejais incrédulos, mas homem de fé”. WAGNER PEDRO MENEZES wagner@meac.com.br