Não pense você que tudo o que alcançou na vida seja mérito pessoal. Talvez tenha um pouco dos esforços que fez para alcança-los, mas sem a graça das concessões celestiais, a permissão das fontes divinas, você nada teria. Nem nada seria. Na realidade, tudo o que temos e somos procede do Pai. Nesta proporção é que seremos julgados e cobrados um dia, quando a prestação de contas inevitável, mas pessoal, cara a cara, olho no olho, nos será exigida tim-tim por tim-tim. “A quem muito foi dado, muito será pedido, a quem muito foi confiado, muito mais será exigido!” (Lc 12, 48).
Assim sendo, penso no peso de carregar muitos dons e não os multiplicar. Um ícone da televisão brasileira, Jô Soares, nos deixou nessa semana. Homem multiverso, criador incansável e produtor sem limites, foi de fato um exemplo de pessoa multiplicadora dos dons recebidos. Tinha também sua fé. Nos anos setenta passou pelo MEAC – grupo missionário formado por leigos católicos do meio artístico – quando assumiu sua fé como ministro da Eucaristia. Era devoto de Santa Terezinha e tinha em sua casa uma capela dedicada à santa. Um dia, perguntado sobre o que mais temia em vida, respondeu: “Tenho medo de parar de produzir”. Desse lado místico do grande artista poucos irão falar, mas seus dons e talentos não cansarão de exaltar. Então é isso; o que fica é o que produzimos em vida.
O detalhe primeiro é de que esse peso da balança será igual para todos. Talvez nossa tecnologia tenha feito nos esquecer do valor desse peso, outrora denominado “fiel”, o fiel da balança. Era um peso proporcional à mercadoria que oferecíamos. Da mesma forma será proporcional ao produto que um dia ofereceremos ao Pai, lembrando que, quer queira ou não, diante dele seremos os fiéis, isto é, ser-nos-á exigida a fidelidade aos bens recebidos em vida. Crentes ou ateus, seguidores ou alheios aos ensinamentos do Mestre, a pergunta crucial será sempre a mesma: “Você foi um administrador fiel dos bens que recebeu”?
Nessa hora não adianta improvisar. O espírito de vigilância e serviço está presente em todo ser humano, mas é a fé que irá dosar suas conquistas. “A fé é um modo de já possuir o que ainda se espera” (Hb 11,1), ensinava o apóstolo ao relembrar seus antepassados e as muitas conquistas que obtiveram em vida. É preciso estar atento a essa realidade. Concomitantemente, é preciso descruzar os braços, partir para a ação, buscar sem cessar. Fé exige obras; fé é serviço. De nada adianta termos em mãos os instrumentos de trabalho para grandes realizações na vida, se o comodismo, a inércia, a preguiça nos impedem maiores conquistas. Nada cai do céu gratuitamente. Vigiai, pois, e orai. Aqui a oração ganha o sentido da ação, do trabalho constante que um homem de fé desenvolve para nunca decepcionar seu patrão, aquele que conduz e governa suas ações.
Como vemos, tudo é questão de mérito pessoal. O ponto de vista de um nunca será o mesmo do outro, mas o final da história, sim. Essa é igual para todos. Então seremos julgados de acordo com os bens que nos foram confiados e o bom uso ou não que deles fizemos. Essa é a nossa realidade. Nada nos pertence, mas tudo o que nos cerca foi nos dado pelo Senhor da Casa, o dono de tudo o que pensamos possuir. Na realidade, apenas pensamos. Porque o que nos sobra é proporcionalmente igual ao que somos. Nada!
“Tenho medo de parar de produzir”, disse Jô.
WAGNER PEDRO MENEZES
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