Um Deus sinistro, com sua túnica manchada de sangue, saindo de fininho do cenário do crime, com sua sofisticada metralhadora às costas, foi a maneira que o polêmico semanário francês “Charlie Hebdo” encontrou para ilustrar sua edição, após um ano do sanguinolento ataque terrorista. Na legenda, um alerta: O assassino está solto! Seus 12 mortos não merecem tão infame homenagem: atribuir a Deus o sacrifício de seus martírios! As imagens e o conteúdo satírico daquela publicação, mais uma vez, pecou pela falta de ética, respeito ou no mínimo senso do ridículo, comum às publicações do gênero. A descrença ou ironia são atitudes próprias de qualquer sociedade, ou instituição ou coletividade humana que se ache superior às demais. Mas isso não lhes dá o direito de debochar daqueles que pensam diferentemente deles. Respeitar a fé alheia é princípio mínimo de civilidade. Acuado ou ridicularizado, o instinto de autodefesa humana reage sempre. Assim nascem os conflitos, a violência, o terrorismo, a guerra… Não somos unanimidade no mundo, mas o conceito da fé que nos identifica – seja ela cristã, judaica, budista ou muçulmana – tem por princípio um ponto em comum: o temor a Deus. Nem por isso o Deus que nos une há de nos conflagrar pelas diferenças de ritos e dogmas. A essência está na ideia que temos em comum: Deus é Amor! Seja Ele Jesus, Buda, Alá ou Javé. Nosso temor não poderá nunca ser confundido com a insegurança daqueles que se sentem acuados. Nosso temor é o mesmo do filho que se esforça para dar alegrias e orgulho ao Pai. Nosso temor é o mesmo do aluno ávido de conhecimentos, que respeita, admira e pratica certa devoção pelos mestres, fonte de sabedoria. Nosso temor é respeito, admiração. Nunca conformismo com as fatalidades. Não encaixa na vida de um místico a submissão passiva diante das desgraças que rondam suas vidas. Atribuir a Deus nossos cataclismos existências, colocando em suas mãos as metralhadoras de nossas contradições, é negar sua existência. É libertar o assassino! Esse, sim, nos surpreende com sua astúcia e perversão. O Inimigo único das boas aspirações humanas, mais do que nunca, deita e rola em nosso meio. Está livre, leve, solto… Traveste-se de bom menino, com suas defesas do politicamente correto, do respeito às diferenças, do liberalismo sem peias morais, da redefinição de conceitos familiares, da descriminalização disso ou daquilo, mas não consegue esconder suas mais recônditas aspirações: sua ânsia pelo poder, seus sonhos de dominação humana. Este assassino está realmente solto. Foi anjo, mas decaiu. Seu nome era belo, reluzente, glorioso. Um anjo de luz, Lúcifer! Quando um mal ferir seu orgulho próprio, apunhalar seu coração com a morte de alguém que ama, dilacerar-lhe a carne com uma doença fatal, subtrair direitos que julgavam seus, – ou qualquer outra desgraça – nunca diga: Deus permitiu! Ao contrário, a permissão foi nossa, de uma forma ou de outra. Lembre-se: quando o fanatismo religioso faz vítimas é porque nossa incoerência de ações os fez fanáticos. Nenhum extremismo possui meio termo. Ou você acredita, ou não. Ou é ou não se é. Se o seu Deus é amor, como atribuir-lhe ódio, intransigência, dor e morte? Como se vê, o assassino está realmente solto, mas seu nome é outro e seu sobrenome tem um pouquinho do nosso. . Quando extraímos do seio do povo a esperança de um mundo novo, com as amarras da descrença, do rancor, do ódio deliberado, estamos assassinando Deus. Isso, sim, é terrorismo. A metralhadora está em nossas mãos, os criminosos somos nós, que nos julgamos “luzes”, mas ignoramos as trevas em que nossa falta de fé tem nos colocado dia a dia, passo a passo. WAGNER PEDRO MENEZES wagner@meac.com.br