O CAVALO DE PAULO

O CAVALO DE PAULO Não era um veículo capaz de grandes arrancadas e eficientes freadas, que levantasse a poeira do caminho e deixasse para traz qualquer perseguidor mais ousado, mas era um bom alazão. Na estrada de Damasco, todavia, empacou de repente e pôs ao chão seu ilustre passageiro, humilhando-o com as pedras do caminho a lhe causar escoriações e a visão interrompida por uma cegueira inexplicável. Assim Paulo caiu do cavalo exatamente quando suas lanças miravam certeiramente o bando de fanáticos cristãos a macular seu caminho. Dali para frente outra seria a estrada do zeloso homem de Deus. Deixaria de lado os rituais de uma religião que defendia a fé ao custo de vidas inocentes, para abraçar o rito de uma fé que oferecia outro caminho ao custo da vida de um único inocente. Refiz simbólica e espiritualmente esse caminho. Não era uma estrada de Damasco, mas a também sinuosa e representativa estrada de Parelheiros, SP, que me conduziu por entre vasta vegetação ainda remanescente naquelas plagas até uma chácara incrustada num vale harmonioso e paradisíaco com um nome bem a calhar: Vale da Páscoa, onde também fica o Mosteiro da Esperança. Ali um senhor de barbas grisalhas, batina bege e sandálias de pescador ousou sonhar um paraíso, deixando de lado sua própria identidade para assumir unicamente o título de sua nobreza (bem como de sua pobreza) ou seja: ali era o mosteiro do Fradão. A simples constatação da audácia daquela obra, ornada com a espiritualidade evangélica e transformadora daquele homem de Deus, derruba do cavalo qualquer cristão que ali chegue. Cheguei com outros companheiros de vida missionária. Pelo terceiro ano, ali estávamos não só para celebrar mais um dia de São Paulo Apóstolo, mas igualmente renovar nosso compromisso com a obra desafiadora da evangelização. Realizávamos mais uma assembleia do MEAC, o grupo de leigos missionários que há 43 anos ressurgiu da poeira de “Damasco” (a cidade das velhas crenças) e desde então vem tentando refazer a estrada de “Emaús” (o caminho das revelações de Cristo). Em suma: ali estávamos para nos reabastecer no entusiasmo da fé que nos move. Éramos doze, contando com nosso diretor espiritual. Poucos numericamente, mas carregando nas costas a representatividade de um grupo muito maior, em especial no nordeste e na Amazônia – terra de missão que hoje recebe atenções especiais da Igreja no Brasil – bem como em sintonia com nossos missionários em Moçambique e Guiné Bissau, África, que também se fizeram presentes através de e-mails. Na insignificância daquele grupinho ecoou uma frase, uma sofrida e irrefutável verdade: “O sal tem uma identificação com o mar”. O nada do sal, a pequenez daquele elemento quase invisível em sua individualidade, só se revela em porções maiores, mas desaparece por completo quando inserido na imensidão dos mares… Mesmo assim, é capaz de dar novo sabor à vida, preservar, conservar, revitalizar. Assim a vida missionária do cristão. Seu retorno pela estrada de Jerusalém a Emaús, suas decepções e desilusões – como aqueles discípulos cabisbaixos que não entendiam a injustiça do calvário – só serão aceitas quando nos deixarmos guiar pelas revelações e maravilhosas explicações dos mistérios da fé cristã. O caminho de Damasco é uma via de duas mãos, pela qual todos nós caminhamos, mas que exige antes uma definição da meta a se seguir. Refeito o trajeto, restabelecida a visão e alimentados com renovada esperança, eis que o cavalo de Paulo ainda aguarda na curva da estrada… O Vale da Páscoa de qualquer cristão é esse momento de reencontro com a fé que nos envia ao mundo. Queira ou não, ele nos espera de porteiras abertas. Como sal que somos, depois de purificados na nossa insignificância, eis que a vida nos devolve ao mar inquieto e assustador. Essa é nossa sina, nossa missão. WAGNER PEDRO MENEZES wagner@.meac.com.br

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