A fome na África nunca foi novidade. Mas continua fazendo vítimas, em especial crianças. A ONU só considera situação endêmica quando morrem duas para cada dez mil pessoas ou quando 30% da população sofre desnutrição aguda. Fora disso, eventuais mortes são acasos do destino ou fatalidades circunstanciais, que não merecem maiores preocupações. É preciso que o mundo veja por primeiro, estampada em seus jornais e revistas, fotos de crianças esqueléticas, olhos vidrados e bocas ressequidas, para se sensibilizarem um pouco mais e esboçarem alguma reação emergencial. Ora, o chamado Chifre da África, região compreendida pela Somália, Djibuti, Etiópia e Quênia, volta a figurar em nossos noticiários como vítima da maior epidemia de fome dos últimos sessenta anos. Está mais para chifre do Diabo, do que um simples desenho geográfico no mapa-mundi. Estima-se que mais de 560 mil pessoas possam morrer vitimadas pela maior atrocidade humana que o mundo permite acontecer, pois não se concebe num mundo globalizado a existência desse tipo de morte. A fome é o lado mais atroz da indiferença e egoísmo humano. Fossem estes membros de uma sociedade melhor estruturada no meio produtivo já teríamos enviados toneladas de alimentos ou mesmo manifestados com mais eficiência nossa solidariedade e ajuda fraterna. Mas são povos tribais, negros, sem cultura, sem qualificações que nos interessem, sem… A persistir esse indiferentismo, temo pela justiça que vem do alto. Enquanto humanos somos, nada justifica a morte de um único semelhante porque lhe falta o pão de cada dia. Mais ainda quando este sobra na mesa farta de muitos. Sabemos que humanidade subentende seres inteligentes e capazes de superar os maiores desafios possíveis para preservação da vida, da espécie, de todo e qualquer direito fundamental de sua própria individualidade. Fome justificável só a de Deus, a maior e mais bela das necessidades humanas. Sede só aquela que não saciamos nunca pelo desejo de perfeição, de novos conhecimentos. Morrer de fome ou de sede é crime de genocídio. Todos nós teremos culpa no cartório do Pai, pois é este um pecado social. Enquanto isso, no Brasil se discute a prática de infanticídio indígena. Esse acontece em algumas tribos brasileiras, quando a criança nasce com alguma deficiência física, quando é filha de mãe solteira ou mesmo pelo simples fato de ser gêmeo. A Câmara esvaziou o projeto da Lei Muwaji (nome da índia que salvou sua filha da morte por possuir paralisia cerebral) que tentava responsabilizar servidores públicos e a própria FUNAI por não impedirem esse macabro ritual indígena, praticado por algumas tribos ainda arredias da civilização brasileira. Mas é exatamente de um sobrevivente dessa prática, o índio Edson Bakairi, que quando criança foi enterrado vivo e salvo por agentes indigenistas, que vem o grito de socorro: “Somos índios, somos cidadãos brasileiros!… Manifestamos nosso repúdio à prática do infanticídio e a maneira irresponsável e desumana com que essa questão vem sendo tratada pelos Órgãos Governamentais. Não aceitamos os argumentos antropológicos baseados no relativismo cultural. Não aceitamos o infanticídio como prática cultural justificável”… Tanto lá, como cá, a morte de crianças inocentes, pela fome ou pela perversidade de algumas culturas, é um termômetro inquestionável da animalesca ignorância humana. Esta que demonstra com clareza a pior das fomes, a falta de Deus. Esta que aproxima o humano de sua mais vil identidade, o animal que somos. Então, tanto lá, como cá, o chifre do Diabo faz jus a todos, pois ilustra perfeitamente o lado caricato de uma humanidade sem um mínimo de respeito à vida. E dizemos ser esta um direito humano! WAGNER PEDRO MENEZES wagner@meac.com.br