Ainda hoje muito se discute sobre a origem do compromisso cristão de entregar o dízimo na comunidade da qual participamos, cujo objetivo é a sustentação da própria comunidade para a realização dos benefícios (serviços) que esperamos receber dela, bem como sustento dos que vivem daqueles trabalhos. Está em Gênesis, no seu capítulo 14, o gesto de oferta realizado por Abrão, tido como o início deste costume. Claro que há os que não consideram assim. Há quem defenda que aquela atitude se tratou somente do reconhecimento de Abrão da superioridade de Melquisedec (sacerdote do Deus Altíssimo) perante Deus. Este é somente um dos entendimentos divulgados por quem não aceita o dízimo como um compromisso bíblico e quer “provar” pela letra fria da “Lei”, um entendimento diferente. Por outro lado, pode-se dizer que o texto bíblico não pode ser igualado à Lei dos homens, tal qual a conhecemos nos códigos legais, nas constituições, etc. Os cristão aceitam e creem no texto bíblico como sendo a própria inspiração divina manifestada para orientar a caminhada dos homens rumo ao Reino definitivo. Assim, portanto, é que devemos tentar compreender a mensagem do dízimo. É nesse contexto que a Palavra de Deus servirá de alicerce e de luz para nossa caminhada neste mundo. Se aprofundarmos a reflexão sobre esse tema, veremos que o dízimo é algo que tem suas raízes muito aquém do texto bíblico, uma vez que está inserido na própria condição humana, quando a criatura busca, incessantemente, reconhecer e se relacionar com o seu Criador. Mas, deixando esse aprofundamento de lado, é fácil verificar na atitude de Abrão um ensinamento. Abrão entrega o dízimo, uma décima parte dos despojos da guerra ao sacerdote do Deus Altíssimo após conseguir a libertação do povo que seria levado ao cativeiro. Que necessidade ele teria para tomar essa atitude? Podemos ver nessa atitude um chamamento a viver com mais maturidade o relacionamento com Deus. Se Adão e Eva “conviviam” diretamente com Deus, uma vez que a barreira do pecado não impedia esse relacionamento, vemos que Abel e Caim já precisavam se valer de uma atitude intermediária, ou seja, da oferta das primícias (a primeira parte) das suas produções como diálogo de agradecimento e de pedido de bênçãos à Divindade. Em Abrão encontramos uma comunidade formada não mais por poucos membros, mas por muitos. Organizada a ponto de um deles se dedicar exclusivamente às coisas de Deus no meio do povo. Esse sentido de pertença à comunidade, de seus membros estarem unidos por um ideal leva ao compromisso de um com todos e de todos para com o indivíduo. A existência de um depende do todo, assim como o contrário também é verdadeiro. É a comunidade viva, na qual muitos são os membros, cada qual com suas particularidades e individualidade, mas que unidos formam um corpo. A sustentação desse corpo, no caso um corpo místico (hoje denominado Igreja) é, portanto, compromisso indelegável de cada um. Abrão prova isso ao entregar ao chefe espiritual da comunidade uma parte daquilo que era de todos. Para enriquecer Melquisedec? Claro que não, para que ele fizesse bom uso dos bens materiais em proveito de todos. Estamos, mais uma vez, comemorando o Natal. Celebramos o início de todo o mistério da salvação. Deus se faz homem, para conviver com os homens e morrer por eles. Momento propício para meditarmos os ensinamentos bíblicos que tratam do dízimo não como uma Lei que aponta para castigos caso não seja cumprida, mas como orientação para uma vida de amor, partilha, igualdade e comprometimento com os demais na caminhada rumo à morada celeste. Em João, 14, Jesus aponta esse destino final ao garantir que “Na casa de meu Pai há muitas moradas. Não fora assim, e eu vos teria dito; pois vou preparar-vos um lugar. Depois de ir e vos preparar um lugar, voltarei e tomar-vos-ei comigo, para que, onde eu estou, também vós estejais.”. Que a prática do dízimo, gesto de fé e de amor, nos irmane cada vez mais para a comemoração deste Natal e para a caminhada rumo à morada definitiva junto ao Pai, que tudo nos dá somente por amor. Odilmar Franco – odilmar@meac.com.br