Os antigos egípcios costumavam venerar uma bela flor que brotava às margens do Nilo. Apesar de sua beleza estonteante, a flor de Lótus não tinha perfume e se multiplicava em poças d água parada, onde o substrato provinha de matéria em decomposição, putrefata, nauseabunda. Da podridão nascia aquela beleza estonteante. Em nosso hemisfério também existe uma flor que germina nos brejos e lagoas, tendo em suas raízes água límpida e corrente. São nossos lírios dos brejos, com sua beleza pura, simples, mas de um perfume ímpar. Pureza, simplicidade e aroma inigualável diferenciam nosso lírio brejeiro da sofisticação mística de uma flor venerada pela idolatria da beleza que vem da podridão. Prefiro o perfume estonteante da simplicidade brejeira. A beleza é efêmera. Tanto que a maior flor do mundo, a raflesia ou lírio-podre, um espécime que floresce a cada cinco anos, é a mais fedorenta. Ninguém suporta seu odor de carniça por muito tempo. A dama da noite, que também possui rara beleza e encanto próprio, dura apenas algumas horas noturnas. Já nosso lírio, além de resistente às intempéries tropicais, tinge de branco o ambiente onde desabrocha e contagia o ar por dias e noites com um perfume que só o coração sertanejo sabe valorizar. Nenhum dono de farmácia ou sofisticado alquimista dos tempos modernos é capaz de reproduzi-lo artificialmente. Nem os mais renomados boticários com seus perfumes voláteis e ilusórios. O verdadeiro perfume penetra a alma. Vem não de um frasco insignificante, que deixa fugir sua flagrância num simples desarrolhar da embalagem provisória. Esse é uma ilusão passageira. Dilui-se como a brisa que sopra e não deixa vestígios. É volátil e fugaz como a vida daqueles que se deixam enganar pela beleza de uma juventude transitória, pelas ilusões de uma atração passageira, pela atração libertina de um momento nascido na podridão da matéria, não da alma pura, não da fonte cristalina que jorra eternamente aos nossos pés. Não há perfume mais autêntico do que aquele que exala dos corações puros, que conduzem suas vidas seguindo o curso da natureza. Esta nos ensina a diferenciar as contradições, o que é ilusório do que é perene; o que agrada aos olhos, mas aprisiona também a alma (essa que respira eternidade). Não há aspiração humana mais bela e perfumada do que aquela que floresce na simplicidade de uma existência grata à obra da Criação. Nela a perfeição foi total. Homens e mulheres se fiaram no desafio da preservação e na missão da continuidade. “Crescei-vos e multiplicai-vos”. E Deus viu que tudo era bom! Até que a erva daninha, a flor de Lótus, a perversão tomou conta do Paraíso. Ainda bem que o perfume dos nossos lírios sertanejos não perdeu sua originalidade, sua pureza natural e sua cândida beleza. “Olhai os lírios”… Eles ainda vicejam por aí, impregnados da flagrância original que vem do coração Daquele que nos ensinou o verdadeiro Amor. “Perseverai no meu Amor”, ensinou aos pequeninos que se inebriavam com o perfume de suas palavras. Deu sua vida por eles. Mas de seu túmulo exalou o mais inebriante perfume de que a natureza humana tem notícias: a vida plena, sem subterfúgios, sem distorções de sentimentos, desvios ou ilusões. Respire fundo. Sinta esse aroma em sua vida. É o perfume da eternidade… WAGNER PEDRO MENEZES wagner@meac.com.br