Aqui estou Jesus, diante de ti. Aqui estou, nesta Sexta-Feira Santa, para te fazer companhia. Sei que é normal amigos se encontrarem e, mesmo, terem encontros especiais – encontros que se tornam diferentes, por causa de alguma circunstância particular. Pois olha, Jesus, hoje é um dia assim. Quando dois amigos se encontram – amigos que além de amigos são irmãos – parece que os assuntos nunca acabam. Há sempre alguma coisa a mais para se falar. Há sempre uma nova pergunta a se fazer. Contudo, vou tentar ser breve. Não por tua causa, naturalmente. Eu é que estou com mil coisas para fazer, mesmo sendo hoje Sexta-Feira Santa. Apesar de minhas limitações, percebes que tenho procurado te amar. A cada dia, por sinal, sinto maior necessidade de dedicar mais tempo a ti. Reconheço que, por vezes, esqueço que estás na pessoa dos outros, e de que tudo o que eu fizer por eles estarei fazendo por ti. Esqueço também que não sou melhor do que ninguém. Então, acabo agindo como se eu fosse o centro do mundo. Tu, no entanto, vieste para servir… Não foi apenas para falar de minhas limitações que estou hoje diante de ti. Basta que pense demais em mim nos outros dias. Hoje, quero pensar especialmente em ti, no teu amor generoso, sincero e constante. Fico até confundido diante de teu amor sem medida. Ontem, na Quinta-Feira Santa, lavaste os pés dos apóstolos e me deixaste a Eucaristia, prova máxima de teu amor. Quiseste, assim, que dia após dia eu pudesse ser transformado por ti. Diante das expressões de teu amor, pergunto-me: seria possível ir mais longe? A pergunta, talvez, devesse ser outra: seria possível que tivesses dado mais alguma coisa, depois de teres dado a própria vida? Aqui estou, Senhor, contemplando a tua cruz e os teus sofrimentos. Lamentável, Jesus, é que de tanto ouvir falar deles, acabei me convencendo que eles são normais. Como se fosse normal Deus assumir nossa natureza, trabalhar com mãos humanas, pensar e agir como qualquer ser humano e morrer como um criminoso. Mais: morrer abandonado até pelos seus próprios amigos! São esses teus gestos de amor que me dão coragem de te fazer alguns pedidos, embora, ao menos hoje, eu não devesse fazer pedido algum. Faz, Senhor, com que eu acredite mais no teu amor, que eu confie mais em ti, que ponha somente em ti minha esperança. Faz com que tu sejas realmente o centro de minha vida, de meus pensamentos e de todos os meus projetos. Faz com que eu olhe o mundo com o teu olhar, que ame as pessoas com o teu amor e que, como tu, eu seja capaz de dar a vida pelos irmãos. Assim, unido a ti e a todos aqueles que te seguem, a todos os que organizam sua vida a partir do teu Evangelho, estarei colaborando na construção do mundo com o qual sonhaste e pelo qual deste a vida numa inesquecível Sexta-Feira Santa. Amém. *Dom Murilo S. R. Krieger é arcebispo de São Salvador da Bahia e primaz do Brasil