PERDOAR SEMPRE

Jesus, semana passada, nos desafiou a compreender a religião não como algo entre nós e Deus, mas como algo entre nós, os irmãos e Deus. Ele nos dizia: “Seu o seu irmão pecar contra você, vai corrigi-lo, mas a sós, você e ele” (Mt 18,15). Vimos que a necessidade de corrigir o irmão que peca tem como objetivo recuperar o irmão, evitando que ele se desligue da comunidade e do próprio Deus, conforme as palavras de Jesus: “Tudo o que vocês ligarem na terra será ligado no céu e tudo o que vocês desligarem na terra será desligado no céu” (Mt 18,18). Pois bem. Ainda que a correção fraterna nos ajude a recuperar o irmão e a religá-lo com a comunidade e com Deus, existe algo que pode desligá-lo do nosso coração: a falta de perdão. Como perdoar é tão difícil quanto corrigir o irmão que erra, Pedro pergunta a Jesus: “Senhor, quantas vezes devo perdoar se meu irmão pecar contra mim?” (Mt 18,21). Por trás dessa pergunta existe uma convicção: “Pra tudo tem um limite!” Com alguma ou com muita dificuldade, nós já perdoamos algumas vezes. Mas nós gostaríamos de poder dizer a nós mesmos e à nossa consciência, onde habita Deus: “Pra tudo tem um limite! Também para o perdão há um limite!” E, de repente, Jesus nos diz: “Você deve perdoar sempre. Não há limites para o perdão”. Este é o sentido da expressão “perdoar até setenta vezes sete” (Mt 18,22). Jesus conta uma parábola para nos mostrar que o nosso modelo de perdão é o Pai, não alguma outra pessoa; o Pai, a quem pedimos todos os dias na oração: “perdoa-nos as nossas ofensas (dívidas), assim como nós perdoamos a quem nos tem ofendido (aos nossos devedores)” (Mt 6,12). O que Jesus quer nos ajudar a entender é que o perdão nunca vai nascer do nosso esforço em perdoar; ele sempre nascerá do nosso reconhecimento e da nossa gratidão por termos sido perdoados pelo Pai. Onde está o Pai, nesta parábola que Jesus conta? Ele é o patrão que “teve compaixão, soltou o empregado e perdoou-lhe a dívida” (Mt 18,27), uma dívida de R$ 120 milhões de reais! Onde estamos nós, nesta parábola? Nós somos o empregado que “mandou jogá-lo (jogar a pessoa que nos devia) na prisão, até que pagasse o que devia” (Mt 18,30), uma dívida de R$ 240 reais! Não é absurdo um homem ser perdoado de uma dívida de R$ 120 milhões de reais e esse mesmo homem não ser capaz de perdoar um outro que lhe deve apenas R$ 240 reais? Mas é exatamente isso que fazemos quando decidimos não perdoar a quem nos ofendeu! Achamos que a pessoa nos prejudicou imensamente, e nos esquecemos do prejuízo que já causamos a Deus, aos outros, ao planeta, a nós mesmos, com as nossas atitudes erradas, atitudes que já foram perdoadas por Deus, como lembra o salmo da missa de hoje: “Bendize, ó minh’alma ao Senhor, e não te esqueças de nenhum de seus favores! Pois ele te perdoa toda culpa e cura toda a tua enfermidade… Ele não nos trata como exigem nossas faltas, nem nos pune em proporção às nossas culpas (Sl 103,2-3.10). Com muita facilidade nos esquecemos dos favores de Deus, de quantas vezes Ele já nos perdoou, mas com muita dificuldade nos esquecemos de todas as vezes que as pessoas nos ofenderam. Por isso, aí está o Pai, dizendo a cada um de nós: “Eu te perdoei toda a tua dívida, porque me suplicaste. Não devias tu também ter compaixão do teu companheiro, como eu tive compaixão de ti?” (Mt 18,32-33). Jesus termina a parábola nos lembrando que aquele que insiste em não perdoar se coloca nas mãos de torturadores e fica nessas mãos até que pague toda a sua dívida (cf. Mt 18,34). Quem são esses torturadores? O ressentimento, o ódio, a raiva, o rancor, a mágoa… Por duas vezes apareceu no Evangelho a imagem da prisão (vs.30.34). Quando não perdoamos, nós mantemos a pessoa que nos ofendeu aprisionada dentro de nós. Ela fica lá, até que não pague o último centavo do que nos deve. Não nos damos conta de que somos nós que ficamos aprisionados na raiva, na mágoa, no ressentimento, até pagarmos o último centavo, até ficarmos doentes, nos tornarmos amargos, estragarmos a nossa vida e o ambiente à nossa volta. Por mais absurdo que pareça, há pessoas que escolhem viver assim… Jesus está nos dizendo que perdoar significa soltar de dentro de nós a pessoa que nos ofendeu. Deixá-la ir embora e seguir o seu caminho. Perdoar significa escolher não viver mais com o coração estreitado pelo ressentimento ou pelo ódio. Perdoar significa não alimentar doenças em si mesmo: “Se alguém guarda raiva contra o outro, como poderá pedir a Deus a cura?” (Eclo 27,3). Hoje a própria ciência reconhece que algumas das nossas doenças não são curadas porque não conseguimos perdoar a quem nos ofendeu, ou a nós mesmos. É verdade que uma ferida não se cura de um dia para o outro, mas também é verdade que a cura depende do fato de todos os dias colocarmos o remédio do perdão sobre a ferida. No seu livro “Perdoa a ti mesmo” (pp.46-49), Anselm Grün sugere quatro passos para o perdão. É com esses passos que eu termino essa reflexão. 1º.) Permita-se sentir novamente a dor que o outro lhe causou (relembrar o fato). 2º.) Aceite a raiva que sente quando está diante dessa pessoa. “O perdão vem depois da raiva e não antes dela. Enquanto aquele que nos feriu ainda se encontrar em nosso interior, a ferida não pode ser curada. Se uma faca permanecer enterrada na ferida, esta jamais se fechará. A raiva é a força que arranca a faca e a joga fora, que expulsa do nosso coração aquele que nos feriu” (Anselm Grün). Manter uma certa distância daquele que nos feriu nos ajuda a perceber que ele nos feriu porque também foi ferido por alguém. 3º.) Avalie objetivamente aquilo que feriu você. A sua reação à ofensa quase sempre é desproporcional. Você não se dá conta de que aquilo que descarrega sobre a pessoa é uma raiva acumulada dentro de você por outros acontecimentos. 4º.) Liberte-se do domínio de quem lhe ofendeu. Enquanto você não perdoar, continuará ligado a essa pessoa, e ela continuará a ter poder sobre você. “Se eu não perdoar, o outro continuará a ter poder sobre mim. Ele determinará meus pensamentos e sentimentos. O perdão me liberta do poder do outro” (Anselm Grün). Deus lhe abençoe no exercício cotidiano do perdão! Pe. Paulo Cezar Mazzi

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