SOMOS NÓS OS RESPONSÁVEIS

Fugir da miséria, da fome e da injustiça é próprio dos acomodados. Também dos incomodados. A fé cristã nos ensina e cobra com veemência a solidariedade. Quando a realidade que nos cerca é contrária ao bem-estar que almejamos ou à dignidade mínima de uma vida razoável, cabe à pessoa de fé uma ação concreta. Quando Cristo nos chama à responsabilidade fraterna é porque conta conosco na construção de um mundo mais igual, justo e humano. Daí seu apelo: “Dai-lhes vós mesmos de comer” (Mt 14-16). Ou seu alerta: “Se a vossa justiça não for maior que a justiça dos mestres da Lei…, vós não entrareis no Reino dos Céus”. Jesus não aponta a causa, mas a consequência dessas situações contraditórias. É o caso dos nossos indígenas, dos nossos migrantes, dos sem-teto, sem-terra, sem empregos, sem dignidade alguma…. daqueles que cruzam nosso caminho diariamente com olhares retraídos pela vergonha ou apelativos por um mínimo de atenção e solidariedade e dos quais desviamos nossa atenção, nossos olhares, nosso caminho. É o caso dos irmãos yanomamis, remanescentes de um povo dos quais roubamos tudo e para os quais oferecemos apenas indiferença e incompreensão, colocando-os em um território delimitado pela doença e destruído pela ambição dos que garimpam a falsa ilusão do ouro fácil. Aqui não mais importa o fator político, as causas sociais dos conflitos de interesses entre povos ou mesmo a inocência de muitos contra a ambição de tantos mais. Não é o caso. O que incomoda é a realidade dos que passam fome, tanto de um lado quanto do outro. Tantos os índios quanto os garimpeiros. Também nos assusta a miséria que campeia em outras glebas desse imenso país de riquezas muitas. Se há situações de morte, fome, desigualdade extrema, algo de muito podre corrói nossa consciência, nossa identidade cívica e religiosa numa pátria que se diz cristã. Nossa tarefa de construir uma sociedade justa e fraterna passa, obrigatoriamente, pela atitude humana da solidariedade, independente dos fatores políticos ou das circunstâncias históricas que nos conduziram a essa desigualdade. Não é hora de medirmos forças dentro do jogo político em curso, mas sim de juntarmos nossas forças para corrigir ou ao menos amenizar uma situação de injustiça na qual todos temos responsabilidades, culpa a redimir. “Dai-lhe vós mesmos de comer” exige união de forças, busca da unidade em função de uma causa que nos diz respeito, nunca omissão. Não podemos fugir de um problema por achar que nada temos com ele, por pensar que quem o provocou é que arque com as consequências, por responsabilizar o outro e assim cruzar nossos braços… Assim agem os acomodados em seus guetos de privilégios e mordomias, os covardes. Por outro lado, de um comentarista em rede social, vazio em seus argumentos, ouvi uma crítica que bem explica sua posição tão vazia quanto. Dizia ser esta Campanha da Fraternidade a mais “perigosa” de todas as que até aqui acompanhou. Que a CNBB está usando um discurso político sem fundamentos. Que o objetivo é apenas reativar a outrora propalada Teologia da Libertação, etc, etc. Se assim o fosse, deveríamos ignorar o Santo Evangelho de Jesus Cristo e seus desafios sempre atuais. Não foi a CNBB, nem bispos, nem padres, nem o Papa que inventou o dever da caridade. Dar pão a quem tem fome não é ação política, mas de irmãos que se amam. Quem critica tão oportuna campanha, nascida e preparada com anos de antecedência, não numa simples transição de poder, não sabe realmente nada do be-a-bá cristão. Está mais perdido do que bêbado no meio da avenida. Ou cego em tiroteio.

WAGNER PEDRO MENEZES
wagner@meac.com.br

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