Surpresas Divinas

Quando o papa Francisco desafiou-nos a “deixar se surpreender por Deus”, não imaginou ser ele a grande surpresa do momento. Francisco surpreendeu a todos. Fala simples, objetiva, na cadência dos que o ouviam, seu “portunhol” penetrou até os ouvidos mais moucos, fazendo calar qualquer voz destoante da mensagem que trazia. Conseguiu, por minutos, silenciar uma Copacabana inteira, onde o que se ouvia era o palpitar cadenciado de três milhões e meio de corações aturdidos com a simplicidade e leveza da palavra de Deus. Bateu, sim, com delicadeza em nossos corações; entrou, assentou-se em nossas moradas e pôs “mais feijão” em nossas panelas. Deus nos surpreendeu. Enviou-nos o mais simples dos seus samaritano-argentinos, aquele que passou ao largo de nossa história, o homem do “fim do mundo” revestido de uma áurea extraordinária, o magistério da Igreja; de sua cátedra genuína emanam os ensinamentos do manancial evangélico. “Não tenho ouro nem prata, mas trago o que de mais precioso me foi dado, Jesus Cristo”. Aos pés da mãe-negra de todos os brasileiros, o bispo de Roma apresentou-nos a postura que desejava em cada cristão. Enunciou as características do cristão verdadeiro: “conservar a esperança, deixar-se surpreender por Deus, viver na alegria”. E reforçou a fé mariana dos que ali estavam: “Viemos bater à porta da casa de Maria. Ela abriu-nos, fez-nos entrar e nos aponta o Filho. Agora Ela nos pede: “Fazei o que Ele vos disser”. Para provar sua disposição de serviço, aliada à vontade de Deus, quis a Providência que sua primeira ação concreta fosse visitar um “santuário do sofrimento humano” – como se referiu ao Hospital São Francisco de Assis, no Rio. Lá Francisco de Roma refez os passos do outro Francisco, o homem mais próximo de Cristo em desprendimento e doação pelos empobrecidos. Desejou abraçar a todos os sofredores “que são a carne de Cristo”. E justificou: “Precisamos todos olhar o outro com os olhos de Cristo, aprender a abraçar quem passa necessidade, para expressar solidariedade, afeto e amor”. Deixou-nos antes um alerta: “Não é deixando livre o uso das drogas, como se discute em várias partes da América Latina, que se conseguirá reduzir a difusão e a influência da dependência química”. E continuou nesta estrada de Emaús. Encontrou pela frente a favela de Varginha, onde muita gente “descia de Jerusalém para Jericó”; há muito voltaram frustrados para a vidinha de carências e privações sem uma perspectiva de vida nova, ressurreição. Ali, além de sentir-se plenamente acolhido por corações sedentos de sua palavra de conforto, esperança, o papa alertou a todos contra o perigo do mero assistencialismo. “Certamente, é necessário dar pão a quem tem fome; um ato de justiça. Mas existe também a fome mais profunda, a fome de uma felicidade que só Deus pode saciar”. Na via-crúcis fez um mea-culpa em nome de todos. “Jesus se une a tantos jovens que perderam a confiança nas instituições políticas, por verem egoísmo e corrupção; ou que perderam a fé na Igreja, e até mesmo em Deus, pela incoerência de cristãos e de ministros do Evangelho”. Refute-o quem tiver coragem. Juventude sem referencial, sem horizonte, está condenada à cruz, sem ressurreição. Vigiemos e oremos. “Não estaria o Senhor querendo nos dizer que o verdadeiro campo da fé não é um ponto geográfico, mas sim nós mesmos?” Aqui se insere o grande desafio que motivou esses dias: “Ide e fazei discípulos!” Sim, santo Padre, você nos despertou essa verdade. Que a Igreja se desperte. Não só missionários de nome e função, nãos só bispos, padres e freiras cuja vida já os determina à seara, não só operários de primeira hora, mas enfim, todos, jovens, crianças e adultos, hão de por a mão no arado e visualizar a grandeza dos campos do Senhor. “Bota fé. Tenham coragem de ser felizes”, concluiu o papa. Porque outras multidões aguardam nas praias da vida. WAGNER PEDRO MENEZES wagner@meac.com.br

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