Uma das questões básicas da filosofia, imaginada por Sócrates e registrada pelo seu fiel pupilo e também filósofo Platão, dizia respeito à relação humana com o divino. “Não queres celebrar a Zeus que fez e engendrou tudo isto; pois onde está o temor, também está a reverência”. Apesar do tom afirmativo da questão, apesar de sua formulação ter sido feita quase meio milênio antes da revelação cristã e apesar da confusa definição do culto a Deus e aos deuses da antiga Grécia, o tema continua atual, atualíssimo nos dias de hoje. Ainda persiste na alma humana a mesma incógnita da não diferenciação entre temor a Deus ou reverência pura e simples. E Sócrates levava adiante essa questão: Você teme a Deus porque o ama ou ama a Deus porque o teme? Continuamos no impasse dessa resposta, quando as manifestações de fé do homem moderno se dão muito mais pelas circunstâncias de um momento do que pela necessidade de um relacionamento natural. Muitos há que manifestam sua crença em Deus mais por temor do que por reverência, por amor. Praticam a mesma fé primária das civilizações aborígines, tribais, onde qualquer acontecimento inusitado, desastre sismológico ou epidemiológico, qualquer ameaça física era uma manifestação da ira divina. São piores que nossos primitivos índios cujo deus-trovão tinha a capacidade de afugentá-los de suas lidas diárias e enfurná-los em suas ocas ou buraco qualquer. Ora, por temor também amo a Deus, pois esse sentimento só é compreensível quando me leva à preocupação de nunca decepcioná-lo em minhas ações diárias. Não inutilmente, é esse o último dos dons do Espírito Santo, que nos foi dado como diadema de graças para melhor nos relacionarmos com o Pai. O que falta a muitos cristãos é exatamente a compreensão cristalina desse temor que devotamos a Deus. Temor do respeito. O mesmo respeito que nos leva à reverência, ao reconhecimento filial de seu amor por nós, de sua proteção, de sua lealdade… Quem descobre em sua vida a necessidade de manifestar sua reverência a Deus não por puro temor, mas por respeito, por gratidão acima de tudo, está a meio caminho da verdadeira espiritualidade. Ainda lhe falta a compreensão e aceitação dos demais dons do Espírito, quais a Sabedoria, o Entendimento, o Conselho, a Fortaleza, a Ciência e a Piedade. Como se vê, a fé não é um sentimento obscurantista, uma relação instável e circunstancial com algo desconhecido, mas exige aprofundamento, imersão em seus mistérios e abertura plena aos seus dons. Daí que cristão sem unção é um desbravador sem coragem de aprofundar-se na selva do amor de Deus. Bate à porta, mas não entra. Ao primeiro sopro deixa tudo e foge. Um amigo de fé mandou-me uma história que circula pela internet. Um menino ganhou um estilingue. Saiu por ai a praticar sua pontaria. Sem muito jeito com a coisa, voltava decepcionado para casa, quando cruzou o caminho de um pato no quintal. Mirou e… acertou na cabeça. Diante do pato morto, assustou-se com o próprio feito e escondeu entre entulhos a prova do crime, sua pobre vítima. Mas a irmã viu tudo e passou a exigir que o irmão fizesse as tarefas que eram dela, sob a ameaça de contar tudo à avó, dona da ave morta. Assim, em troca do silêncio, o menino se submeteu às chantagens da menina e por muitos dias lavou louças, limpou a casa por medo da delação. Cansou-se dessa situação e resolveu, ele próprio, confessar-se com a avó. Mas a surpresa foi inversa, pois que esta já conhecia a verdade, pois que viu tudo da janela… Só não sabia por quanto tempo o menino continuaria escravo daquela mentira. Verdade acima de tudo. Pois que de sua janela Deus-Pai continua a observar nossas ações na vida e sua vigilância nos deixa livres para nos submetermos ao seu amor e perdão constante ou escravos das ciladas e mentiras que o mundo nos arma. A Ele, só a Ele devemos temor e reverência. WAGNER PEDRO MENEZES wagner@meac.com.br