Cutucá-las dói. Mais ainda quando muitos pagaram para ver, para senti-las cravadas em uma realidade cruenta e desigual, onde a ferida de um é ignorada pela indiferença do outro. Onde o corpo social dilacerado e corroído pela justiça humana ou pela maledicência que corrói sua história e sepulta seus ideais não condiz com o sonho almejado por todos. Onde portas fechadas restringem o direito da liberdade, mas não impedem a presença da verdade.
Esta que para alguns é soberana e para outros uma incógnita. Dói tocar as feridas do outro e sentir suas dores, suas decepções. Ou acreditar serem elas um sinal de vitória.
Tomé que o diga. Mas o paralelo não pode ser desviado de seu contexto original, pois ao incrédulo discípulo era-lhe revelada a verdade em plenitude. Não é esta nossa verdade. Para esta ainda não temos qualquer paralelo ou pretensões de comparação com um ou outro fato que nos rodeia, que torna opaca nossa visão, que divide nossas opiniões, que nos polarizam em nossos eternos prós e contras, sem que tenhamos plena convicção do que defendemos. Se acreditar dependesse apenas dos olhos, cegos seriam banidos da própria realidade. Se ouvir dependesse das mentiras que povoam nosso mundo, surdos seriam legiões. Se falar fosse faculdade exclusiva de nossos líderes, papagaios e maritacas poderiam nos governar…. Enfim, nossos sentidos nem sempre traduzem o que queremos ver, ouvir ou proclamar como única e mais pura verdade. Só o tempo é senhor da razão. Só ele poderá purificar nossa história e ponderar o sectarismo que hoje nos divide com o equilíbrio da razão, das tendências apaixonadas que defendemos com unhas e dentes.
Se hoje exigimos provas mais contundentes é porque nossa crença não permite um olhar mais criterioso sobre aquilo que enxergamos com nossa miopia de alma e nossos falíveis critérios de julgamento. Exigimos provas. Queremos ver as marcas daquilo que é indelével para muitos, mas que macula uma história outrora primorosa ou mesmo uma história que nos pareceu fantasiosa. Não me interessa agora seu lado, suas glórias e conquistas ou suas decepções e fracassos, pois nunca a história humana foi ou será escrita sem suas divisões e defesa de interesses. O que um momento histórico requer é sensibilidade e serenidade para compreender ser ele uma nebulosa que nos envolve. Radicalizar nunca será uma boa solução, posto que vilões do passado às vezes se tornam heróis e heróis do presente nem sempre o serão no futuro.
Há sempre espaço para a sensatez entre uma postura e outra. Esta nos recomenda um olhar piedoso sobre as feridas, uma atitude de solidariedade e compaixão que nos faça entender o outro lado da história. Dessa história que
hoje escrevemos com dores e lágrimas, com sentimento de culpa, muitas vezes, mas também com a convicção de uma apaixonada defesa daquilo que acreditamos ser o melhor. Exigimos sempre a prova dos nove. Ver para crer. Pagar o preço mesmo à custa da dor e sofrimento dos que se nos opõem ou usufruir das mordomias e regalias injustificáveis dos que pensamos estar do nosso lado. Como vemos, não é hora de um veredito final dos fatos que
borbulham nas cortes e palácios dos tribunais da nossa consciência. Ela, somente ela, há de nos apontar o caminho sempre estreito das nossas fraquezas e tribulações momentâneas, mas também só ela para nos fazer enxergar o quão largo e fácil é o caminho das mazelas que nos conduzem. Só as cicatrizes exibidas entre quatro paredes, “estando as portas fechadas”, far-nos-ão compreender nossos momentos de cegueira. Tanto de um lado quanto de outro, pois no quadrilátero da “revelação” criteriosa e conscienciosa é que nossas verdades caem por terra. Pois a justiça e misericórdia divinas prevalecem sobre nossos dilemas circunstanciais. Quem nada disso compreendeu, que conte outra.
WAGNER PEDRO MENEZES
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