A primeira carta do papa Francisco nos chega como uma exortação, um chamado à responsabilidade, um apelo de pai para filhos um tanto quanto omissos em suas obrigações. E o faz com a alegria de um coração que bem conhece o ideal a seguir. Preenche o vazio de um ativismo doutrinário sem a motivação original que deveria identificar a ação da Igreja no mundo: evangelizar com alegria. Traça-nos uma nova etapa na obra evangelizadora, fonte perene de alegria, cuja motivação foi, é e sempre será uma descoberta de júbilo para todos aqueles que travam contacto com as revelações cristãs. É humanamente impossível levar adiante a verdade de Cristo sem deixar-se contagiar pela alegria dessa descoberta em nossas vidas. Alguém já afirmou que um cristão triste, antes de tudo, é um triste cristão. Ou, como diria João (15,11) em seu evangelho: “Manifestei-vos estas coisas, para que a minha alegria esteja em vós e a vossa alegria seja completa”. Ainda no preâmbulo de sua exortação, Francisco nos diz: “Chegamos a ser plenamente humanos quando somos mais do que humanos, quando permitimos a Deus que nos conduza para além de nós mesmos a fim de alcançarmos nosso ser mais verdadeiro”. A autenticidade de uma vida de fé só se mede quando transborda a exuberância de uma alma agradecida a Deus, capaz de irradiar uma alegria plena, mesmo quando posta em provação ou limitada pelos grilhões das tristes cadeias do materialismo e hedonismo humano. Então o papa descreve a falsidade de um cristão sem alegria: “Um evangelizador não deveria ter constantemente uma cara de funeral”. Esse é um triste cristão! Melhor: pensa ser o que nunca foi… Por outro lado, a verdadeira Igreja missionária não se mede pelo número de adeptos que consegue arrebanhar. Contar seus fiéis estatisticamente, deixando de lado a unção libertadora que deveria caracterizar o verdadeiro rebanho dos “transformados pela alegria pentecostal” de uma nova vida em Cristo, não constitui o verdadeiro rosto da Igreja. Fazer proselitismo é fácil, nestas circunstâncias. Mas, diz Francisco: “A Igreja não cresce por proselitismo, mas por atração”. E atrair requer magnetismo, algo muito além de um simples olhar de simpatia, concordância sem inserção. Dessa forma, o apelo missionário da Igreja não pode ser um mero chamado sem as exigências do coração verdadeiramente comprometido com a Igreja e seus ensinamentos, com “suas alegrias e esperanças”, exigências e fidelidade ao Cristo. Diz o papa: (devemos praticar) “a dinâmica do êxodo, de sair de si mesmo, de caminhar e semear sempre de novo, sempre mais além”. Nunca esmorecer. Acreditar que a semente semeada, mesmo com o agricultor dormindo, vai germinar, produzir seus frutos. O cristão está sempre aberto ao outro, ansioso pela partilha de sua própria experiência, inserido no rebanho, no meio em que Deus o colocou como agente de transformação, luz, sal, fermento. Por isso o evangelizador deve adquirir “o cheiro da ovelha”- diz o papa, numa atitude de inserção na realidade, impregnado da alegria de uma revelação que transforma o meio em que vive. Nem por isso, as verdades doutrinárias da nossa fé constituem o fiel da balança que julgará a humanidade. Só Deus pode julgar. “A Eucaristia (por exemplo) embora constitua a plenitude da vida sacramental, não é um prêmio para os perfeitos, mas um remédio generoso e um alimento para os fracos. A Igreja não é uma alfândega; é a casa paterna, onde há lugar para todos com sua vida fadigosa”. Tais afirmativas do papa, encerrando o primeiro capítulo de sua exortação apostólica, nos convidam a repensar nossos preconceitos e julgamentos apressados que fazemos daqueles que, mesmo contraditoriamente, comungam ao nosso lado, buscam amparo em nossos templos. Na casa do Pai há muitas moradas, mas a alegria é a mesma, o Amor que nos une. WAGNER PEDRO MENEZES wagner@meac.com.br