No quarto capítulo da exortação “Querida Amazônia” Papa Francisco colocou todos os seus sonhos e expectativas de uma vida eclesial verdadeiramente cristã. É impossível resumi-lo em uma única lauda. Vai aqui a primeira parte desse sonho lindo.
Eclesialidade é princípio de igreja (eclesia), vida comunitária. Portanto, Igreja sem comunidade não existe e povo sem unidade muito menos. Eis a grande e contínua preocupação dos nossos bispos, desde Medelin (1968), Puebla (1979) Santo Domingo (1992) e Aparecida (2007), cujas conferências sempre focaram a questão amazônica com atenção e preocupações. “O caminho continua e o trabalho missionário, se quiser desenvolver uma Igreja com rosto amazônico, precisa de crescer numa cultura do encontro…” (61).
Se existe um vazio a turvar o testemunho de vida eclesial sonhada por Cristo e assumida pela Igreja no seu desempenho missionário “por todo o mundo”, temos responsabilidades. “Seria triste se (os povos da região) recebessem de nós um código de doutrina ou um imperativo moral, mas não o grande anúncio salvífico, aquele grito missionário que visa o coração e dá sentido a todo o resto” (63). Isso qualquer instituição caritativa ou Ong da vida o faz, e às vezes bem. Nossa missão é maior, mais ampla e prioritária. “É o anúncio de um Deus que ama infinitamente cada ser humano” (64).
“Entretanto, o risco dos evangelizadores que chegam a um lugar é julgar que devam não só comunicar o Evangelho, mas também a cultura em que cresceram” (69). Eis que o Papa coloca a mão em muitas feridas do passado. Evangelizar é ensinar aprendendo. É respeitar ensinando. É dar e receber. Sem imposições, mas com respeito às culturas e tradições do outro. “Os povos aborígenes podem ajudar-nos a descobrir o que é uma sobriedade feliz e, nesta linha, ‘têm muito para nos ensinar’ (71)”. São eles alvos de nossa partilha, não de nossa cultura. “Os habitantes das cidades precisam de apreciar esta sabedoria e deixar-se ‘reeducar’ quanto ao consumismo ansioso e ao isolamento urbano” (72). Quanta sabedoria temos aqui! O Verbo encarnado também habita naquele meio. “Ele está, gloriosa e misteriosamente, presente no rio, nas árvores, nos peixes, no vento, enquanto é o Senhor que reina sobre a criação sem perder as suas chagas transfiguradas e, na Eucaristia, assume os elementos do mundo dando a cada um o sentido do dom pascal” (74).
O ponto de partida da vida eclesial é exatamente este: a Eucaristia. Como entende-la e vivenciá-la sem a presença da Igreja? Como marcar presença sem interferir? São essas as duas grandes questões que hoje nos fazemos. “A enculturação da espiritualidade cristã nas culturas dos povos nativos encontra, nos Sacramentos, um caminho particularmente valioso…” (81) porém “a Igreja deve pôr um cuidado especial em compreender, consolar e integrar, evitando impor-lhes um conjunto de normas como se fossem uma rocha…” (84) e assim respeitar a espiritualidade já latente nas práticas culturais e religiosas daquele povo. Respeitar ensinando. Ensinar aprendendo.
A presença da Igreja é, pois, essencial. Neste sentido, o sacerdote torna-se referência prioritária. “Quando se afirma que o sacerdote é sinal de ‘Cristo cabeça’ o significado principal é que Cristo constitui a fonte da graça: Ele é cabeça da Igreja ‘porque tem o poder de comunicar a graça a todos os membros da Igreja’ (São Tomás de Aquino)” (87). “Por isso, apenas ele pode dizer: “Isto é o meu corpo’. Há outras palavras que só ele pode pronunciar: ‘Eu te absolvo dos teus pecados’ (88)”. Dessas verdades não podemos fugir.
WAGNER PEDRO MENEZES
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