A última exortação apostólica do santo padre Francisco está dando o que falar. Mas também o que pensar. Sua estrutura meramente reflexiva e recheada de construtivas sugestões aos governantes dos nove países que compõem a região Amazônica, parte de quatro grandes sonhos: social, cultural, ecológico e eclesial. São estes os pilares básicos do propalado documento com o carinhoso título “Querida Amazônia”. Antes, pois, de qualquer crítica sem fundamento, vamos analisá-lo por partes.
“Tudo o que a Igreja oferece deve encarnar-se de maneira original em cada lugar do mundo (6)”. Ela não interfere em questões de soberania ou econômica ou cultural ou política de um povo, mas possui a visão global da casa comum que ocupamos e que temos por bem preservar “para que a Esposa de Cristo adquira rostos multiformes que manifestem melhor a riqueza inesgotável da graça (6)”. Dito isto, voltemos nosso olhar para a grande floresta. “Pois, apesar do desastre ecológico que a Amazônia está a enfrentar, deve-se notar que <uma verdadeira abordagem ecológica sempre se torna uma abordagem social>… Não serve um conservacionismo <que se preocupa com o bioma, porém ignora os povos amazônicos> (8).
O que vemos acontecer nesta região é o excessivo zelo pela preservação ambiental, com Ongs e instituições governamentais ou internacionais deitando e rolando sobre normas e leis preservacionistas, sem grandes preocupações com seu povo. “As suas vidas e preocupações, a sua maneira de lutar e sobreviver não interessavam, considerando-os mais como um obstáculo de que nós temos de livrar do que como seres humanos com a mesma dignidade que qualquer outro e com direitos adquiridos (12)”. Alguma inverdade aqui? Sabemos que não. “As operações econômicas, nacionais ou internacionais, que danificam a Amazônia e não respeitam o direito dos povos nativos ao território e sua demarcação, à autodeterminação e ao consentimento prévio, há que rotulá-las com o nome devido: injustiça e crime (14)”. Não há outro nome para tais ações intervencionistas. O papa dá nome aos bois: “Não podemos permitir que a globalização se transforme num <novo tipo de colonialismo>”.
“Os bispos da Amazônia brasileira recordaram que <a história da Amazônia revela que foi sempre uma minoria que lucrava à custa da pobreza da maioria e da depredação sem escrúpulos das riquezas naturais da região, dádiva divina para os povos que aqui vivem há milênios…> (16)”. Recordem o ciclo da Borracha, o ouro da Serra Pelada, a civilização pré-colombiana… O que restou disso tudo? “Aos membros dos povos nativos agradeço e digo novamente que, <com a vossa vida, sois um grito lançado à consciência (…) Vós sois memória viva da missão que Deus nos confiou a todos: cuidar da Casa Comum” (19).
Estamos numa encruzilhada: preservar e amparar. É uma questão mais que humana, pois nos mostra o quão intrínseca é a relação humana com seu mundo. “A Amazônia deveria ser também um local de diálogo social, especialmente entre os diferentes povos nativos, para encontrar formas de comunhão e luta conjunta (26)”. É preciso saber ouvi-los. Entendê-los. “São os principais interlocutores, dos quais primeiro devemos aprender, a quem temos de escutar por um dever de justiça e a quem devemos pedir autorização para poder apresentar as nossas propostas (Ib 26)”. Não se diz nenhuma asneira nessa afirmativa. “O diálogo não se deve limitar a privilegiar a opção preferencial pela defesa dos pobres, marginalizados e excluídos, mas há de também respeitá-los como protagonistas (27)”. Eis, pois, que nossa querida Amazônia sugere ao mundo uma construção de mais diálogo antes de qualquer ação de preservacionismo puro e simples. “Daqui nasce o sonho sucessivo”, conclui o papa nesta primeira parte.
WAGNER PEDRO MENEZES
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