À minha frente na estrada um longo, pesado e lento treminhão de canas vencia mais um aclive. Seu rodar macio e resoluto me obrigou diminuir a marcha e acompanhá-lo respeitoso, enquanto não me era possível ultrapassá-lo. Afinal, não havia alternativas.
À frente de tudo, além da estrada, viajaram minhas lembranças. Céleres, alcançaram um passado não tão distante. Tempo do carro de bois, também pesado e lento, com sua preciosa carga de canas em direção ao engenho. Seu rodar, ao contrário, não era nada macio ou silencioso. Belo, mavioso, fazia ecoar na estrada o som estridente das roldanas em atrito. O canto do carro de bois! Quanto mais lamurioso, mais belo!
Não sei o porquê, mas aquele treminhão forçando meu caminho trouxe-me lembranças de um tempo virtuoso e belo. Um freio forçado a me forçar o pensamento. Apesar do progresso, o carro de bois ainda retumba com seu som estridente no porão da memória. Cumpriu seu papel com perfeição. Contribuiu com o progresso. Evoluiu, tornou-se um treminhão! Não mais o utilizaremos para nossos transportes, mas de sua existência nos lembramos com nostalgia e saudade. Suas virtudes e méritos não se perderam, transformaram-se.
A evolução é isso. Não aposentamos ou engavetamos para sempre um passado.
Apenas o transformamos, buscando uma constante evolução. Também no campo das virtudes. Aquela velha e bela lembrança, aquele comportamento padronizado, bem dimensionado ou meticuloso, lições de civilidade, ética ou moral, hoje nos parecem fora da realidade. O mundo exige mais audácia, intrepidez, dinamismo, pra não dizer astúcia.
A competitividade transforma nossas definições de virtudes ou respeito humano. O mercado exige força bruta, coragem, capacidades cada vez maiores. Talvez assim justifiquemos muitas das ações contrárias à consciência de nossas virtudes. A estrada a vencer, a distância entre nosso campo e a indústria, o desafio do transporte continua o mesmo. Aumenta a competitividade entre humanos. Que se danem as virtudes! Cada um pra si e Deus…
Eis o drama do cristão no mundo. Sua fé estará sempre à frente, a lhe apontar as injustiças de um mundo excludente. O lugar ao sol almejado por todos é espaço de poucos. A desigualdade das armas é um despropósito. A maioria ainda viaja em carros de bois.
A isso tudo denominamos tempos de progresso. Um progresso que fere e incomoda, enrubesce qualquer consciência esclarecida. Um progresso sem virtudes.
Enquanto as virtudes do passado – aquelas que proporcionavam orgulho ao paciente condutor do carro de bois – não se equipararem à respeitosa paciência dos que viajam atrás dos modernos treminhões, aguardando sua vez para ultrapassá-los, muitas vidas serão ceifadas pela imprudência dos mais apressados.
Virtudes serão sempre virtudes. Não importa a época. Não há como excluí-las da longa estrada das relações humanas. Progredimos, modernizamos nossos caminhos, ampliamos a frota de nossas exigências, adaptamos nossos trajetos, porém a meta continua a mesma. Nossa estrada estará livre, mas nem por isso haveremos de condenar ou desrespeitar qualquer experiência dos nossos antepassados. Porque, no andar da carruagem, as virtudes estarão sempre à frente de qualquer objetivo humano. Passo a passo, um dia chegaremos lá.
WAGNER PEDRO MENEZES
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