Um pedreiro imaginar-se aplaudido e ovacionado num palco, diante de multidões, às vezes, não passa de um sonho louco. Mas um cantor que sobrevive como pedreiro, aguardando uma oportunidade para brindar seu público com a voz que Deus lhe deu, não é simples sonho, mas certeza de que esse dia virá. Certas profissões são trampolins momentâneo para o sucesso. Questão de oportunidade. Quantos artistas de renome estão por aí, amassando pães, descascando cebolas, salgando mares de desilusões! Quantos farão emergir seus talentos, despertar e aprimorar a vocação latente em seus corações? Só o tempo dirá.
Mas como vocação soa mais a assunto religioso, nada melhor que uma pitada de fé. De fato, a origem latina da palavra ecoa como chamado, uma voz misteriosa que qualquer humano um dia ouve dentro de si mesmo. Quem nunca se deparou com ela? É quase sinônimo de um sonho, uma ambição, uma ilusão. Mescla-se aos objetivos que temos, aos projetos que traçamos na vida, a tudo aquilo que um dia permeia nossos sentimentos e reúne forças vindas não sei de onde, para que nossa vida se volte de corpo e alma para uma meta pré-configurada dentro de nós. Nesse campo, não existem oponentes capazes de nos persuadir do contrário. É isso o que eu quero. É essa minha busca, razão do meu viver. Então, saiam da frente os que se opõem a ela.
Chamado, escolha, determinação seriam as palavras mais adequadas. Antes, é preciso definir o que move nosso coração para tão determinada busca. A Bíblia está permeada de situações em que o humano se depara com o divino, quando o assunto é a busca vocacional. Jeremias se deparou com essa busca ainda criança. Tornou-se o profeta que salvou seu povo da opressão. Isaias, outro grande profeta, aceitou sem relutar os desígnios de Deus sobre sua vida. “Eis-me aqui, envia-me”. O sim de Maria também nos revela a disponibilidade de uma alma diante da vontade de Deus. Sua maternidade foi a vocação mais retumbante de uma jovem diante de um desafio aparentemente impossível: “Como isso se dará, se não conheço homem?” A maternidade está acima das concepções fisiológicas. É uma escolha divina, uma vocação para aquelas que podem mais do que imaginam.
Como vemos, vocação não se determina conforme sonhos e necessidades familiares, sociais ou financeiras. Essa balela do modismo, da rentabilidade, das circunstancias que o meio social cria para gerar profissionais conforme a demanda do mercado de trabalho, é o maior dos desastres do mundo moderno. Estamos saturados de profissionais incompetentes, insatisfeitos, frustrados. Falta-lhes o timbre de uma vocação bem definida, aceita e buscada com esmero, sem falar da alegria e satisfação que regem uma vida bem definida vocacionalmente, profissionalmente. Escolas da modernidade já não priorizam essa definição estritamente pessoal, pois que a grande maioria destas estão a serviço do mercado e suas necessidades mais prementes.
Precisamos repensar esse modelo de formação. Espaço há para todos os campos e bons profissionais são aqueles que buscam um sonho pessoal, nunca familiar, nem mercadológico. Por isso é fundamental entender a vocação como “chamado” pré-determinado em nossas vidas e que precisa ser levado a sério pelas nossas instituições, sejam estas profissionais, religiosas ou artísticas. Porque ter determinada vocação é dom, é privilégio. É determinação divina. É para quem pode, não para quem quer. “Escolhe, pois, a vida, para que vivas com a tua posteridade, amando o Senhor, teu Deus, obedecendo à sua voz” (Deut 30, 19-20).
WAGNER PEDRO MENEZES
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