50 ANOS DE ILUMINAÇÃO DO DIZIMO SOBRE A IGREJA O BRASIL

Dentro do momento muito especial e significativo que a Igreja do Brasil vive em relação à pastoral do dizimo: 55 anos do “Documento dos Presbíteros” que pedia aos Bispos do Brasil para trocar o “Sistema de Taxas” pelo “Sistema do dízimo” (1970) e pelo Jubileu de ouro (50 anos), da XIVª assembleia da CNBB em Itaici (SP), quando os Bispos assumiram definitivamente a opção pelo dízimo (1974), só nos resta comemorar, agradecer ao Espirito Santo que guia a sua Igreja e lembrar com gratidão todos aqueles, Bispos, padres e leigos que acolheram esta inspiração e, ao longo de 50 anos, fizeram com que o dízimo se tornasse essa realidade que permite à igreja do Brasil caminhar de um jeito novo. A comemoração nos leva também a refletir sobre o dízimo como experiência de fé enraizada na Bíblia e que perpassa séculos de história. Acredito que para uma melhor compreensão da experiência do dízimo como está sendo vivida pela Igreja Católica do Brasil ao longo destes 50 anos, seja necessária uma visão panorâmica do próprio dízimo. Ele pode ser considerado uma vigorosa árvore milenária que continua a produzir frutos. O dízimo como pastoral, praticado nas Igrejas do Brasil como “uma experiência de partilha que começa com os pobres”, conforme a definição de um famoso sacerdote italiano, é um dos frutos desta árvore. Para melhor conhecer os frutos, é bom conhecer a árvore, a partir da sua raiz. Por isto vamos dividir a nossa apresentação em três partes: 1ª o dízimo que conhecemos através da Bíblia; 2ª o dízimo que conhecemos através de história da Igreja; 3ª o dízimo como Pastoral na Igreja do Brasil partir do Concilio Vaticano II. Esta terceira parte será o assunto principal da nossa conversa: como tudo começou e quais os frutos que o pastoral do dízimo tem trazido à Igreja do Brasil. O dízimo que conhecemos através da Bíblia. Sabemos que o dízimo é bíblico e dele se fala desde as primeiras páginas da Sagrada Escritura. Antes, porém, do dízimo ser mencionado pelos textos sagrados, ele já era praticado por outros povos antigos. Chineses, Gregos, Egípcios, Fenícios, entre outros, tinham o costume de oferecer dez por cento dos ganhos para os seus deuses e houve também o costume de entregar o dízimo a imperadores, reis e benfeitores. Em alguns casos era dado espontaneamente, em outras era obrigação legal. O dízimo nasceu espontaneamente, como uma forma de adorar e agradecer a Deus ou presentear os benfeitores, ou como tributo aos governantes. O povo de Israel, ao aderir ao dízimo, acolheu a prática dos outros povos, embora dando ao dízimo um novo sentido, na medida em que Deus ia se revelando a ele. Inicialmente, o dízimo era praticado pelo povo de Deus de forma ocasional como uma maneira de demonstrar gratidão a Deus e de conseguir graças e bênçãos. Lembramos o exemplo de Abraão (Genesis, 14,17-20) e de Jacó ( Gen. 28,20-28). Eles ofereceram o dízimo espontaneamente, sem estarem obrigados por ninguém, pois ainda não havia nenhuma prescrição a respeito. A partir do momento em que os costumes e as práticas judaicas foram agrupadas e se tornaram lei para todo o povo, este conjunto passou a se chamar “Lei”, com L maiúsculo e nós a encontramos nos primeiros cinco livros da Bíblia, chamados de “Pentateuco“. Ao lado de outros costumes e práticas, se encontra o dízimo. No Pentateuco, a palavra dízimo aparece 19 vezes e nos outros 41 livros do Antigo Testamento aparece outras 23 vezes. Nos livros da Bíblia não se fala de “dízimo”, mas de “dízimos”, no plural, porque havia dízimo de vários produtos da terra (da oliveira, do vinho, dos animais…) e havia três espécies de dízimo: a primeira entregue aos levitas, a segunda oferecida em Jerusalém, no templo e a terceira, a cada três anos, dada aos pobres. Havia também o “dízimo dos dízimos” pois os levitas entregavam aos sacerdotes 10% do que recebiam. Pelas páginas da Bíblia sabemos que o dízimo, como qualquer outra prescrição de Lei era levado a sério, embora não faltassem momentos de crise e de infidelidade por parte do povo. Quando isto acontecia, alguém se encarregava de chamar o povo à observância da Lei. No caso especifico de dízimo, lembramos as palavras do profeta Malaquias. Além do dízimo, o povo também fazia outras ofertas como os diversos tipos de sacrifícios e as primícias dos produtos da terra e dos animais. É interessante observar que os sacrifícios, os votos e as primícias tinham uma dimensão vertical: eram dirigidos a Deus diretamente. Os dízimos e as ofertas tinham uma dimensão horizontal: eram destinados à sustentação do culto e à ajuda dos pobres. Sabemos também que a partir do Novo Testamento quase não se fala mais de dízimo. Jesus só falou em duas ocasiões: criticando a pratica dos fariseus (Mt,23,23) e na parábola do fariseu e do publicano, ambos orando no templo (Lc, 19,9-14). Fala-se do dízimo também na carta aos Hebreus (7,1-10) quando se fala de superioridade do sacerdócio de Cristo, sobre o sacerdócio de Levi, mas o dízimos não era o assunto principal. Mesmo assim temos certeza que Jesus, como bom Judeu praticante, dava o dízimo e que José também era dizimista. A Igreja que nasce a partir do Pentecoste aos poucos vai se afastando das práticas do judaísmo. A Igreja sente-se livre da antiga Lei: e vai assumindo encarnando a nova lei do amor. Assim os cristãos se sentem livres de pagar o dízimo, prevalecendo a pratica da, partilha fraterna. “Eles tinham tudo em comum” (Atos, 2,42-47) Tudo indica que foi curta a experiência de por tudo em comum, por muitas razões, sobretudo pelo crescimento do número de cristãos. Mesmo assim, as comunidades cristãs não voltaram à pratica do dízimo mas optaram pelas ofertas espontâneas entregues à comunidade especialmente por ocasião das celebrações, e pelas doações para a manutenção dos que se dedicavam à evangelização. O dízimo na história da Igreja. Assim nos primeiros séculos, a Igreja, se mantem com as contribuições livres dos fiéis, embora sendo muitas vezes necessária a insistência dos Bispos e dos padres para que o povo fosse generoso. Diante das dificuldades que vinham surgindo, no ano de 585, o dízimo voltou como uma obrigação, por determinação do Concelho de Macom (França), sendo os fiéis penalizados caso não contribuíssem. Dois séculos depois, por determinação do imperador Carlos Magno, a lei eclesiástica se tornou uma lei civil, com multas para quem não a cumprisse. O dízimo deixou de ser obrigatório em 1789, com a revolução francesa e, quando foi abolido na França, como efeito cascata, foi abolido em todos os países da Europa. Em 1887, o dízimo estava supresso em todos os países da Europa. O Brasil, no tempo da Colônia e do Império, também adotou o dízimo obrigatório. O dízimo era cobrado pelo Estado e repassado, em parte, para a Igreja. Quando em 1889 aconteceu a Proclamação da República e houve a separação entre Estado e Igreja, o dízimo deixou de existir no Brasil. Em seu lugar foi adotado o Sistema de taxas, isto é a contribuição em dinheiro por parte dos fieis por ocasião de serviços religiosos como batismo, crisma, casamento e exéquias. Na Igreja havia, ao mesmo tempo, taxas como contribuição à comunidade, esportulas como contribuição ao celebrante do ato religioso e côngruas que era a contribuição repassada aos clérigos pelo Estado. Com o passar do tempo, tudo isto vinha incomodando. O sistema de taxas já se tornava ultrapassados e cada dia mais inadequado pastoralmente. Isto sobretudo a partir do Concelhio Vaticano II, quando a Igreja estava redescobrindo o seu verdadeiro rosto e começou e sentir a necessidade de voltar às fontes e realizar uma mudança substancial. Em 1969, um grupo de padres por meio do “documento dos presbíteros” pedia aos Bispos do Brasil que fizessem a troca do “sistema de taxas” pelo “Sistema do dízimo” Os padres não pediam a volta do dízimo por que estava faltando dinheiro às comunidades, mas por que o sistema estava sendo contraproducente. Os fieis, ao pedirem um serviço religioso, sentiam-se moralmente obrigados a pagar por ele. Os Bispos do Brasil acolheram a sugestão dos presbíteros, embora com várias resistências e começaram a estudar o assunto à exaustão. Pediram a opinião de pessoas e comunidades. Este estudo preparatório teve início em 1970 (55 anos atrás) na XI Assembleia em Brasília e foi aprofundado na XIIª, assembleia geral em Belo Horizonte (1971). Nos anos 1971, 1972, 1973 e 1974 foram preparados subsídios, visando a implantação do dízimo. O Assunto voltou à pauta na XIII Assembleia de São Paulo em 1973 e, finalmente, em 1974, na XIVª Assembleia de Itaici (SP) os Bispos confirmaram a opção pelo sistema do dízimo, embora reconhecendo a impossibilidade de sua implantação através de um plano nacional onde as etapas e as datas fossem iguais para todas as dioceses, dada a diversidade de realidades nas variadas e extensas regiões do Brasil. Abandonou-se a ideia inicial de um Plano Nacional e optou-se por um processo que atendia melhor a diversidade das situações. As decisões finais da XIVª Assembleia foram fixadas em 06 pontos já conhecidos. O texto terminava dizendo: “O dízimo é meta a ser atingida. Não é uma mera exortação” ou um objetivo desejável. As Igrejas particulares devem buscá-la” Por ocasião da tomada de decisão pelo sistema de dízimo, os Bispos do Brasil não publicaram um documento e sim um estudo intitulado: “Pastoral do Dízimo” Trata-se do documento nº 8 de Estudo da CNBB que foi publicado em 27 de junho de 1975. A partir desta data começou a caminhada da Igreja do Brasil com a pastoral do dízimo, penetrando mais ou menos lentamente nas diversas dioceses e regiões do nosso pais e atingindo aos poucos outros países como o Peru, na América Latina: os Estados Unidos, através das comunidades brasileiras: Moçambique e Guiné Bissau, na África. A luz projetada pelo pastoral do dízimo na vida da Igreja do Brasil. “A experiência da partilha que começa com os pobres” Na medida em que se caminha, criando no povo de Deus uma nova consciência de Igreja e colhendo os frutos de uma maior participação do povo na vida da Igreja, também vai se aprofundando o verdadeiro sentido do dízimo visto não mais apenas como uma fonte de arrecadação de recursos, mas como uma espiritualidade, uma autentica evangelização sobre o sentido de ser igreja, como um jeito de viver a partilha e participar da ação missionaria da igreja. Em outras palavras o dízimo passou a ser visto não apenas como fonte de recursos para a Igreja, mas começou o ser visto por dentro, no seu verdadeiro sentido teológico e pastoral, na sua dimensão religiosa, eclesial, missionária e caritativa, como nos fala o documento de estudo nº 106 da CNBB. Dimensão religiosa porque nos liga à Deus, como gesto de reconhecimento e gratidão eclesial por que nos ajuda a viver nossa pertença à igreja. Dimensão missionária por que nos faz participar de ação evangelizadora da Igreja e caritativa por que nos coloca no coração do Evangelio fazendo-nos viver a solidariedade e a partilha. Com a pastoral do dízimo levada sério a Igreja começou e já pode caminhar com seus próprios pés, sem depender da mendicância, recuperando a sua dignidade, sem dependência da ajuda de Igrejas e entidades do exterior, sem o constrangimento de cobrar taxas pela celebração de sacramentos. O dízimo recuperou para a evangelização o tempo e as melhores energias da comunidade, empregadas na realização de festas e outros eventos que visam a aquisição de recursos materiais. Acima de tudo, o dízimo cria a comunidade, sendo também uma expressão forte de fé e de amor a Jesus Cristo e de amor à Igreja, bem como um termômetro que mede o grau de comprometimento do cristão com a causa de Jesus Cristo. Reconhecidamente, o dízimo é o mais legitimo meio de sustentação da vida e das atividades das comunidades cristãs e dos seus agentes e por isso é chamado merecidamente de “Pastoral de Sustentação” Conclusão O dízimo é Palavra de Deus e como tal ele tem a força da semente, como Jesus nos fala nas parábolas do Evangelho: ela produz frutos. Concluo com as palavras de Antoninho Tato, um pioneiro, e entre os cristãos leigos do Brasil, sem dúvida o maior incentivador da pastoral do dízimo. Ele escreve: “O dízimo como Palavra de Deus é semente que transforma pessoas, estruturas, mentalidades e corações mesquinhos, egoístas, em ideias e ações concretas rumo a um mundo melhor, um mundo de Deus por que um mundo que imita na partilha os gestos de Deus”.

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