Dever missionário dos leigos – Antoninho Tatto

“Os leigos colaboram na obra de evangelização da Igreja e participam da sua missão salvífica ao mesmo tempo como testemunho e como instrumentos vivos, sobretudo se, depois de chamados por Deus, são aceitos pelos Bispos para esta empresa.” (Ad. Gents 41)A partir do Vaticano II, recupera-se a característica do missionário leigo, convocando-o a assumir seu carisma cristão.
O cristão não pode ficar alheio aos problemas que dizem respeito à evangelização.
Todo o batizado, o cristão, é um missionário.
E como tal, deve exercer esse ministério no testemunho de vida cristã, capaz de questionar, e muito mais, atrair os que não vivem a fé.
Onde anda um batizado, deve acontecer a vida.
O batizado deve ser um sinal de salvação.
Sua simples presença implica num envolvimento de fé.
Por isso ele é instrumento importante no processo de evangelização.
Muito mais necessário se faz a presença do missionário leigo, quando se constata a grande falta de missionários consagrados.
A população aumenta, os problemas se avolumam e os missionários são cada vez menos no meio do povo.
Mas a presença do missionário leigo, não deve ser justificada só pela falta de missionários consagrados, padres, freiras.
Sua presença na Igreja deve-se a um chamado especial de Deus.
Como sempre aconteceu na história.
Hoje, mais do que nunca, esse chamado se fez presente nas pessoas de leigos que consagraram suas vidas, ou parte delas, para anunciar o Evangelho.
Sabemos que os discípulos de Jesus viveram uma vida de pregação do Evangelho, andando de vila em vila, visitando cidades.
Fizeram exatamente o que o Mestre fez.
Hoje tenta-se viver essa experiência de ir anunciar a presença de Deus no meio de nós.
Essa experiência é vivida de diversas formas, segundo o carisma de cada missionário ou de cada grupo de missionários.
Cada um poderia invocar exemplos do passado para fundamentar a própria opção e forma de evangelização como animação missionária.
Para melhor nos situarmos, trago presente uma reflexão de Comblin, situando exatamente os missionários leigos do passado.
Diz ele que o que está acontecendo hoje é \”uma revivescência de uma realidade que sempre ressurgiu nas horas mais dinâmicas da história da Igreja\”.
Portanto, diríamos que o surgimento de tantos missionários leigos atuando na Igreja, deve ser visto como um florescer novo da consciência cristã.
O missionário leigo não representa uma carência, um defeito, uma ausência da consciência missionária na Igreja, mas é, exatamente, o fruto de uma caminhada que se retorna na Igreja para recuperar-lhe a originalidade, \”a sua razão de ser\”. Diz Comblin: \”Os missionários leigos podem invocar o exemplo da mais antiga Igreja.
Pois os primeiros discípulos de Jesus traduziram a sua fidelidade ao Evangelho vivendo uma vida de missionários ambulantes; eram os profetas itinerantes considerados como as máximas autoridades na Igreja.
O próprio Paulo ainda reconhece a superioridade do carisma de profeta por cima de todos os demais carismas, exceto o carisma de apóstolo ou evangelizador que era exclusivo da primeira geração e era o das testemunhas da ressurreição de Jesus\”. Ainda hoje se constata o profetismo dos que, sem medo e com entusiasmo, anunciam a palavra viva de Jesus, desinstalando os acomodados e denunciando toda forma de opressão e injustiça que impede que o Reino de Deus aconteça.
Mesmo correndo o risco de que alguém menos escrupuloso se infiltre e use o povo ingênuo para se promover, devemos incentivar iniciativas que culminem em novos profetas.
Pois será através dos profetas de hoje e de sempre \”que Jesus será conhecido\”. E Comblin continua: \”Por isso os missionários itinerantes contemporâneos voltam realmente às fontes mais antigas do cristianismo\”. Eles são os que mais se aproximam da maneira de ser e de viver do próprio Jesus. \”De fato, esses missionários leigos de hoje são os que mais imediatamente se sentem interpelados pelo sermão da montanha e pelos ensinamentos de Jesus.
Eles vivem tudo isso num sentido quase literal.
Eles descobrem um Jesus exatamente à medida do seu modo de viver.
São autênticos intérpretes do Evangelho em nossos dias: pois não somente pronunciam, mas vivem as palavras do Evangelho\”. Diz, ainda, que todos os homens são chamados a seguir Jesus, mas em alguém as palavras e os fatos evangélicos assumem um sentido imediato: \”são os missionários itinerantes.\” Podemos trazer isso presente nos nossos dias, constatando que em algumas comunidades, leigos sentem-se chamados e deixam suas comunidades para proferir a experiência de Deus que acontece em sua vida e na sua comunidade.
O que leva é uma experiência.
Ao contá-la, faz acontecer uma nova experiência.
Não se apresenta revestido do saber filosófico ou teológico, muitas vezes não sabe o que é isso, apresenta-se como pessoa que tem uma longa caminhada de serviço.
Está preparado porque sua vida é serviço, é missão.
Onde vai o missionário leigo, é para conviver com as pessoas, vivendo suas vidas, compartilhando suas dores, suas buscas, sendo sinal da presença de Deus no meio dos acontecimentos históricos.
Muitos missionários leigos nem sabem falar direito mas confiam no caminhar evangélico no meio do povo e esse testemunho do pobre peregrino faz renascer a presença de Cristo como no tempo de Francisco de Assis que entendia a imitação de Jesus como sendo a vida sem lugar permanente, como uma peregrinação pelo mundo, sem residência, sem propriedade.
A simples presença itinerante por si só evangelizava mais que palavras.
Isto não quer dizer que não se deva falar.
Os que têm esse dom, são obrigados a falar e falar bem e sempre.
Cada um com seu dom, seguindo o chamado, a sua vocação.
Tentando mostrar as raízes dos missionários leigos, Comblin explica que a missão e os missionários nunca desapareceram.
Mesmo na época moderna.
No entanto, diz ele, houve uma clericalização da vida missionária.
No século XVI fundaram-se institutos religiosos e tende-se a uma assimilação crescente entre sacerdote e missionário.
Os institutos que admitem irmãos leigos, subordinam-nos radicalmente à missão e ao trabalho dos sacerdotes.
São seus auxiliares.
Aliás, é doloroso constatar que, até em nossos tempos, isso aconteceu e ainda acontece.
Hoje menos, mas ainda há as notícias.
E foi essa a razão pela qual os leigos foram perdendo sua missionariedade.
Missão estava vinculada à vida sacerdotal com suas atividades de pregação, de sacramentalização e de organização de paróquias.
Missão e organização paroquial era a mesma coisa.
Talvez por isso mesmo muitos padres missionários sejam ótimos administradores, bons construtores, a tal ponto de se esquecerem de imprimir uma dimensão missionária em seus discursos.
Da clericalização decorre outra modificação de missão, diz Comblin: o seu formalismo novo.
A missão consciente em implantar a organização dirigida pelo sacerdote.
O que passa a interessar é o aumento de fiéis, melhorar seu comportamento de acordo com as normas eclesiásticas.
A missão passa a ser meio de organização da Igreja institucional.
Onde não existe Igreja, é preciso fundar uma.
Isso é ser missionário.
E diz mais! O missionário clericalizado buscava menos o seguimento de Jesus Cristo, o modo de ser evangélico e mais os resultados concretos e institucionais das suas atividades.
Hoje assistimos a um novo tipo de missionário leigo que quebra todas essas formalidades estreitas e parte para uma missão do passado, da antiga tradição, mas com olhos voltados aos novos tempos, inseridos numa nova cultura, com outra concepção de vida que inclui em seus compromissos a opção de evangelizar.
Os documentos modernos da Igreja nos advertem quanto às obrigações de participação na vida missionária da Igreja. Dar uma resposta a isto, e retomar \”às origens da vida missionária ou de discípulo itinerante do Evangelho que não tinha nada de clerical.\” \”Os monges antigos não eram sacerdotes quando iam como missionários.
Alguns foram feitos sacerdotes e até bispos, mas a ordenação não era inerente à sua qualidade de missionários.
Do mesmo modo nem Francisco de Assis nem os seus companheiros acharam que a imitação de Jesus missionário itinerante incluía uma ordenação sacerdotal.\” Os missionários leigos de hoje revivem de modo renovado o espírito da missão itinerante.
A sua missão procede de uma imitação da vida de Jesus e dos primeiros discípulos.
O que eles procuram é reencontrar o modo de ser e de viver de Jesus.
Daí a propriedade dada ao modo de viver, ao conteúdo material da viagem, da visita, do encontro com os homens e as comunidades.
Eles não restringem a missão a certos atos definidos em função da organização eclesiástica.
A sua missão é de tipo profético.
Pelo seu modo de imitar a Jesus, de viver uma figura concreta da vida evangélica, eles introduzem, nas casas e nas comunidades que visitam, a força do Espírito, a força do apelo de Deus.
A missão dos missionários de hoje salienta dois aspectos que ampliam uma concepção muito estreita da missão.
Diz ele: Por um lado ela procura ser uma vida, uma constribuição vital, uma imitação de Cristo antes de realizar atividades concretas e finalizadas; em segundo lugar, ela procura dinamizar a vida cristã, nem tanto as formas, a vivência do evangelho mais do que os sinais de pertença à instituição eclesiástica.
Os missionários não batizam, nem celebram sacramentos, não organizam atividades eclesiais.
Pela sua presença profética, eles despertam uma vida latente ou insuficiente, infundem energias, aumentam a esperança, criam vitalidade.\” Se podemos resumir tudo isso, diríamos que hoje o trabalho de cada um de nós, como missionário leigo, é de quebra de estruturas e de quebra de preconceitos.
À medida que nos apresentamos nas comunidades e proferimos o anúncio do Evangelho como pessoas legitimamente enviadas pela comunidade, rompemos com a mentalidade infundida nas pessoas que missão quem faz é o sacerdote ou a freira.
É notória ainda hoje, a reação das pessoas quando pregamos nas Igrejas.
Muitos se admiram em ver leigos pregando onde antes só o padre podia falar.
A admiração vem acompanhada de um questionamento.
E por que não eu?
E não raro, acontece o comprometimento, se não sempre na vida missionária, pelo menos na vida pastoral da comunidade.
Por isso o missionário é realmente um instrumento vitalizador.
Comblin diz que os missionários são \”eixos do povo de Deus.
Não estão estabelecidos em lugar algum. Neles a Igreja se torna peregrina; é uma Igreja em movimento permanente.\” Os missionários itinerantes que são os profetas do primeiro século, deixaram a família, o ofício, o povoado. Deixaram o seu mundo, a sua sociedade.
Já não pertencem a nenhum grupo social, a nenhuma classe social; são marginalizados que se marginalizaram espontaneamente da sociedade.
Eles se dedicam totalmente ao ministério de profetas.
O seu papel consiste em despertar, exortar, estimular, mostrar e lembrar sempre o Evangelho.
São os pobres no espírito, os que se fizeram pobres pelo reino de Deus.
Esses missionários encaram no seu modo de viver a sua mensagem.
Eles vivem pelo reino de Deus inteiramente.
Os Evangelhos descrevem ao mesmo tempo a vida de Jesus e a vida deles\”.
Os missionários leigos de hoje são interpelados a viverem uma vida encarnada no meio do povo em constante mutação.
É difícil uma comunidade estável hoje.
Há uma dinâmica permanente provocada pelas diferenças sociais.
A migração obriga a mudanças rápidas dos grupos.
Comunidades se formam em pouco tempo e se desfazem logo.
O desemprego é fator de renovação das comunidades.
A sociedade é instável social e politicamente.
E é neste estado de coisas que o cristão deve agir.
O cristão é chamado a agir fora de sua comunidade, justamente nesses ambientes instáveis. \”Muitos não têm estabilidade na família, no emprego, na residência. Mudam contentemente.
Freqüentemente são os mais pobres.
O Evangelho é para eles também.
O Evangelho vale também para os milhões que nunca terão condições para pertencer a uma comunidade estável.
Essas pessoas precisam encontrar no seu caminho referências evangélicas, pessoas que renovem o seu contato com o Evangelho de Jesus Cristo.
Essas pessoas somente descobrirão uma Igreja itinerante peregrina, nunca uma Igreja estabelecida, centrada, fixada num lugar determinado.
A nova validade dos missionários leigos é um dom novo do Espírito.
A evolução permitirá compreender melhor o que o Espírito diz às Igrejas.\” E Comblin termina dizendo: Para aceitar e reconhecer os dons de Deus, não precisamos nem compreendê-los nem justificá-los teoricamente de modo completo.
Uma primeira aproximação basta.\” Vimos nesta reflexão que a nossa realidade hoje, de missionários leigos, tem bases sólidas no passado, na Igreja dos primeiros tempos e que hoje retoma seu vigor, quem sabe, diminutivo, para ficar como compromisso permanente dos leigos. \”IDE\” Vale também para os leigos A autoridade do missionário leigo – que lhe permite colocar-se à frente da comunidade e dar seu recado, transmitir sua mensagem – flui do Evangelho.
Normalmente ele é considerado um convidado especial, um hóspede importante aonde chega.
Não por méritos próprios, mas por sua fidelidade ao Evangelho.
O missionário leigo, de fato, deve ter bem claro que, por si mesmo, não tem autoridade alguma: é cidadão comum, em qualquer lugar é apenas um instrumento da palavra, não a palavra; é um carregador das convicções que emanam do Evangelho, não de suas convicções.
Por outro lado, o missionário não pode comportar-se como papagaio.
Ele deve extravasar o Evangelho no qual está inserido.
Sem mudar o sentido da mensagem, deve externar seu pensamento como resultado de uma reflexão que transformou sua própria vida.
Ele não proclama pensamentos filosóficos ou conceitos teológicos, mas testemunha uma experiência de vida brotada dos ensinamentos de Jesus nas Sagradas Escrituras.
Anuncia sua transformação nascida da mensagem do Evangelho.
Conta a mudança do velho homem em homem renovado pela força da palavra libertadora de Jesus.
A presença do missionário leigo na Igreja, pregando para o povo, é conseqüência natural da presença criadora do Espírito Santo que suscita os novos ministérios.
É fruto do apostolado do missionário sacerdote, do consagrado, é o resultado mais brilhante do apóstolo de nossos dias.
Quanto mais missionários leigos tivermos pregando, maior o sinal da atividade dos apóstolos de hoje, bispos e padres, que estão vivendo a mesma vocação dos apóstolos que conviveram com Jesus.
É a certeza de que a nossa Igreja, com seus bispos e sacerdotes, estão vivendo o \”ide… fazei discípulos…\” O missionário leigo precisa ter sempre presente que sua missão consiste mais no testemunho do que na palavra.
Mas não pode omitir sua fala.
O que falar, porém, deve ser expressão de sua vida.
Ele não vai dizer o que os ***** devem fazer. Mas sua vida deve ser um livro em que todos poderão ler conteúdos de fé e de vida cristã.
Quanto mais se dá, mais tem que dar.
Em contra partida, recebe o carinho, a hospedagem, a amizade e tudo o de que necessita para continuar a missão.
É interessante notar que, para o missionário leigo – creio que o mesmo ocorre também com os missionários consagrados – o importante é ser bem acolhido, ter audiência, poder transmitir a mensagem que traz.
Tenho observado como muitos missionários, ao retornarem de uma viagem de missão, trazem consigo a satisfação estampada no rosto, embora nem tudo tenha sido satisfatório.
Os missionários leigos que vivem exclusivamente da missão, tiram seu sustento e de seus familiares do fruto de seu próprio trabalho, vendendo seus livros, discos, fitas, revistas.
Quantas vezes a viagem foi mal, não deu para pagar os custos da viagem.
Mas a missão foi boa.
E isto basta.
Depois vem o resto.
O importante é que, por onde passaram, puderam deixar o sabor de sua experiência para que ***** se libertem.
O missionário tem a tarefa específica de testemunhar o Reino de Deus e, com isso, atrair todos os homens para a mesma experiência.
Quando o missionário prega e descobre que acontecem as transformações, se dá por satisfeito.
O missionário vem de fora para tornar a comunidade integrante de um todo, a partir do Evangelho que todos assimilam e passam a viver.
O missionário vem despertar a comunidade para a unidade.
Não existe comunidade isolada do ponto de vista do Evangelho.
Alguém que vem de fora exorta a comunidade a viver, com abertura, sua dimensão cristã. O animador, por mais que se esforce, vê a comunidade como algo a se realizar em si mesma, a crescer, mas não sai de suas estruturas e territórios.
Ao contrário, o missionário provoca o desenraizamento para levar uma comunidade ao encontro do outro.
É muito importante para o amadurecimento de uma comunidade que alguém de fora venha sacudí-la.
Alguém que não participou de seu crescimento, de sua história.
A comunidade que se fecha a essa realidade, está truncando o direito do missionário e impedindo que se realize o anúncio profético que pode eliminar os vícios que não deixam que a comunidade se desenvolva e chegue à libertação integral.
Isto quer dizer que, quando há a presença de um missionário, o animador deve deixar espaço livre para que ele faça seu anúncio.
O missionário não representa para o animador um perigo.
Pelo contrário, representa abertura para novos valores.
Sei de comunidades que não aceitam o missionário leigo que vem de fora pela simples alegação de quem vem de fora e não conhece a realidade local, a caminhada pastoral
 Ora, isto revela desconhecimento do sentido de missão ou ciúme.
Pode revelar também um certo temor de mudança.
O missionário que chega e traz uma mensagem vivenciada, pode questionar a comunidade e levá-la a questionar as estruturas existentes e comprometer suas lideranças.
Muitos não querem mudar porque lhes convém manter o estado de privilegiados.
É justamente para não se cair em anúncios viciados que devemos abrir as portas aos missionários, para checar nossa evangelização.
O missionário leigo não chega à comunidade revestido de poder, de eloquência e de prestígio, como já vimos.
Mas vem de peito aberto, sem títulos que lhe garantam audiência, só com a força de sua fé no Evangelho.
E é essa força que torna o missionário leigo convicto e sua mensagem e o faz respeitado e ouvido cada vez mais.
E isso leva as pessoas, os grupos a redirecionarem suas vidas e a se comprometerem de forma mais eficaz.
O missionário leigo sabe que não modifica as pessoas, que a força da transformação não está na forma bonita de se pregar, que não conquista com belos discursos.
Mas sabe também que o conteúdo de sua mensagem, a verdade que traz em seus pronunciamentos de fé são estruturas fracas em que Deus se manifesta às vezes com toda a sua força divina.

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