UM DEDO NA FERIDA

Nada há de mais desagradável para um convalescente qualquer do que alguém tocar-lhe a ferida ainda em aberto. A dor retorna com igual intensidade, tal qual quando adquirida de uma forma ou de outra. Dói até na alma, costumamos dizer. Pior ainda quando essa provocação vem acompanhada pela dúvida, pela ironia, pela indiferença… Não diria ser esse o caso de Tomé, mas a dúvida estava ali presente. ”Se eu não vir a marca dos pregos em suas mãos, se eu não puser o dedo nas marcas dos pregos e não puser a mão no seu lado, não acreditarei” (Jo 20,25). A incredulidade sempre exige provas convincentes, palpáveis. Não seria diferente com o apóstolo retardatário, aquele que esteve ausente na primeira manifestação do Cristo redivivo em meio a seus discípulos. Mas a visão daquelas chagas foi tão impactante que só lhe restou prostrar-se diante do Mestre e exclamar: “Meu Senhor e meu Deus!”. As feridas ainda recentes por certo causavam dores, senão ao Cristo que sobrepujara uma cruz e um túmulo da perversão humana, ao menos e principalmente aos olhos atônitos e envergonhados daqueles que testemunharam ali a crueldade de que foram capazes os poderosos de seu povo. A que ponto chegaram! As provas ali estavam, sangrando no corpo e na alma de todos. As feridas abertas poderiam ser sanadas do corpo glorioso de Jesus. Não havia razão para mantê-las visíveis, já que a vitória sobre a morte era uma transposição que apagava todo e qualquer vestígio de uma derrota circunstancial. Cristo morreu, mas não se deixou derrotar. Cristo saiu do sepulcro com seu corpo glorificado, sem nunca se deixar manchar por qualquer nódoa de nossos pecados. Essa foi sua maior vitória: apagar de vez a derrota vergonhosa proporcionada pelo pecado original. Cristo venceu a morte e nos devolveu a plenitude da vida, a cura definitiva que a alma humana ansiava por alcançar. Desde então, as feridas ainda abertas que rondam nossa história aí estão, por conta do nosso livre arbítrio, o direito que temos de acreditar ou não nas promessas de Deus. Mas preferimos cutucar nossas feridas com a tosca visão dos mistérios que ainda turvam a fé em Cristo Ressuscitado. Muitas portas permanecem fechadas em nossas vidas porque não abrimos nossos corações para a ação de Deus. Ele, por primeiro, nos mostra as mãos e o lado de seu Filho ferido por nossa ingratidão, mas logo a seguir nos reenvia ao mundo, com a missão de levar adiante sua Paz e Amor sem limites. Perdoa-nos pelo maior dos nossos pecados, a rejeição de sua graça, de sua ação entre nós, em nós. É tempo de percebermos nossa mesquinhez, ao exigir provas, ao desejar o toque ridículo e inútil de nossos dedos na ferida que causamos a seu Filho. É tempo de vestirmos a carapuça de nossa indignidade e esconder a vergonha de nossa prepotência. Parar de exigir de Deus as provas de uma crueldade que só aconteceu por conta de nossos pecados, nossa culpa pura e simples. Caso contrário, as feridas voltarão a se abrir, a vazar, a pulsar em sua dor lancinante, não em Cristo, mas em cada um de nós, lançados ao léu no fogo das maldições eternas. Porque as brasas da geena e as lanças dos algozes de Cristo são capazes de queimar e ferir de morte muitos dos que duvidam das Verdades de nossa fé. Não cutuque essas feridas ainda mais!

WAGNER PEDRO MENEZES
wagner@meac.com.br

Compartilhar: