“…hoje preciso ficar em sua casa” (Lc 19,5) Os protagonistas da cena do Evangelho de hoje, Jesus e Zaqueu, são duas pessoas completamente diferentes entre si, diametralmente opostas; porém, procuram-se mutuamente. Ao redor deles, encontra-se uma multidão, que parece desordenada e crítica, que até se torna obstáculo: de um lado, impede Zaqueu de ver, e de outro, murmura contra Jesus, contestando-o por estar do lado “errado” ou com quem já estava perdido. Zaqueu é a uma das poucas pessoas que, nos quatro Evangelhos, toma a iniciativa de encontrar-se com o Mestre gratuitamente: nada tem a dizer e nada tem a pedir. Zaqueu não sabe o que deseja de Jesus, nem o que Jesus deseja dele; esta é a graça: encontrar-se com o “Mistério”, deixar-se “interpelar”… Ele não tinha uma idéia formada, consistente, sobre Jesus. Brota nele, talvez por curiosidade, uma decisão de simplesmente se encontrar com Ele. No seu interior palpita um desejo estranho. Diz o texto que desejava “ver quem era Jesus”. Mas Zaqueu é obrigado a “sair de si”, deixar seu “lugar”; não pode “trazer a si”, “mandar vir”… é forçado a se deslocar. E, talvez pela primeira vez, esbarra-se de encontro ao muro da impotência. Não podia ver Jesus porque era de estatura baixa e havia muitas pessoas em volta do Mestre. Provavelmente não foi apenas a quantidade de gente que o impediu de aproximar-se d’Ele; foi a sua condição de pessoa rejeitada pela multidão. Zaqueu, pequeno em estatura, baixo em ideais, atrofiado em seus sonhos…, alimentava dentro de si um grande desejo de “querer ver”; tal atitude desvela a busca pela verdade, pelo bem, pela vida verdadeira, que reina latente no coração de cada ser humano. Jesus se coloca, precisamente, neste espaço, fazendo brotar no interior de Zaqueu o que era novo, sur-preendente, enfim, a “hora” da salvação. Não faltava segurança econômica e nem social para Zaqueu. Porém, no fundo, talvez fosse um homem solitário, triste, marginalizado. Sentiu em seu coração um vazio profundo, que se transformou em desejo atormentador, ou seja, uma urgente necessidade de mudança. Sentiu que não podia continuar indiferente diante da pessoa de Jesus. A agitação, a pressa e o entusiasmo, com os quais se pôs à procura do Mestre, indicam a clara demons-tração de que surgira nele uma estranha inquietude. O nome e a pessoa de Jesus tiraram o véu que encobria o vazio de seu coração, a solidão na qual se encontrava, a insignificância de seus próprios dias. O encontro de ambos acontece na estrada, onde transitam, onde ocorrem os acontecimentos do dia-a-dia, onde a vida transcorre, onde passam os dias e os anos… Zaqueu não se preocupa com mais nada: nem com a boa imagem ou com o que a multidão pensaria ao vê-lo sobre uma árvore; o respeito humano, o bom senso, o status social e o “bom nome” não lhe interessam mais. Enfrenta a limitação de sua baixa estatura, esquece a condição de ser um homem rico, “respeitável”, e sobe numa árvore, da qual pensa ver Jesus sem ser visto. Jesus passa pelo caminho arborizado e vê Zaqueu em seu observatório, e o convida a descer: “Desce depressa, porque hoje preciso ficar em sua casa”. Não é uma visita passageira; é o amigo que deseja permanecer em sua casa. Não vai para deixar alguma coisa, vai para ser o próximo de Zaqueu. O próximo entra como amigo, sem impor condições, sem fazer pesar-lhe a sua situação de pecador. Chama-o finalmente pelo nome: “Zaqueu”. Olham-se e entendem-se. O olhar profundo de Jesus, seu amor exagerado, seu convite inesperado, sua voz penetrante, transformam de imediato a vida daquele pequeno homem. E, nada mais foi como antes! Mas o verdadeiro encontro entre os dois se dá em casa, entre as paredes da vida cotidiana. Jesus quer a mesa de Zaqueu; não lhe importa a sua estatura. O “Senhor”, como dom gratuito e inesperado, entra na casa e no coração de Zaqueu, à busca de quem estava perdido. Somente depois daquele encontro, fulminado pelo olhar e pelas palavras de Jesus, com o coração trans-bordante de alegria, Zaqueu se sente renovado e tudo, ao seu redor, lhe parece novo e diferente. Durante a refeição, partilhando do mesmo pão e do mesmo vinho, ambos se conhecem melhor. Não há perguntas, não há conselhos, nem muito menos repreensões, mas apenas uma conversa amigável, sentimentos manifestados, experiências confrontadas. Jesus não pede nada a Zaqueu: é seu hóspede e se contenta de estar perto dele, partilhar com ele uma refeição. Contudo, o vinho novo de Jesus arrebenta os odres velhos de Zaqueu. Assim, o chefe dos publicanos se torna transbordante, apaixonado, protagonista de uma vida nova. Ele passa da solidão à partilha, da tristeza à alegria… Zaqueu não está mais sozinho e não se sente mais uma pessoa insignificante. O olhar d’Aquele homem encheu-lhe o coração; a sua casa, agora, não está mais vazia; a tristeza não o sufoca mais. Finalmente, ele descobriu a luz de um olhar e experimentou a ternura de ser procurado e amado. Zaqueu foi amado “excessivamente” e decide corresponder com a mesma moeda, sem medidas. Ele viu, por um instante, a sua vida na nova visão: “Senhor, vou dar a metade dos meus bens aos pobres; e se roubei alguém, vou devolver quatro vezes mais”. E o hóspede sela esta jornada, iluminando o acontecimento e interpretando-o no seu significado de graça, de libertação: “Hoje, a salvação entrou nesta casa”. O encontro com Jesus significou para Zaqueu abrir-se aos pobres, partilhando seus bens com eles. Tal encontro faz Zaqueu alargar seu espaço interior para se encontrar com os outros; ou melhor, amplia seu coração para deixar os outros entrarem em sua vida. Um encontro que desencadeia outros encontros. Jesus é a única porta, e esta não dá para o vazio; esta porta dá para os outros que possuem um nome, uma identidade, uma história… Os “outros” conseguiram tirar Zaqueu do bloqueio da sua solidão e começou a ver e a ouvir, a caminhar em direção deles e com eles. Este é o sinal claro e evidente de que o próximo foi acolhido. Em Zaqueu aconteceu uma mudança de perspectiva decisiva, radical. Anteriormente contemplava os outros a partir do observatório do próprio ego. Agora que se encontrou com o Senhor e que saiu de si para conhecê-lo e acolhê-lo, enxerga os outros a partir da perspectiva de Jesus. Ele sente que não apenas a sua casa está habitada, mas sobretudo a sua morada interior, onde o seu “eu” tem vivido como um estranho, onde jamais encontrou segurança. Não bastou descer da árvore: “Não, Zaqueu! Desce! Desce mais! Até o fundo de ti mesmo!” Texto bíblico: Lc 19,1-10 Na oração: No fundo de nosso pobre coração, entulhado de ídolos, como um quarto de despejo, é aí que o Senhor ajeita um cantinho para sentar-se e ficar à nossa espera. É dentro do nosso próprio coração que Deus nos espera. Compete a cada um alimentar o desejo do encontro com Ele. – Desce ao mais profundo de você mesmo e ali, diante da presença misericordiosa do Senhor, estabelece um diá- logo íntimo com Ele. Pe. Adroaldo Palaoro, SJ (Companhia de Jesus)